Título: A política de juros e de câmbio está no rumo do crescimento?
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/08/2007, Economia, p. B8

Ilan Goldfajn: Economista e ex-diretor do Banco Central

Luiz Carlos Bresser-Pereira: Economista e ex-ministro da Fazenda

O ex-ministro da Fazenda Luiz Carlos Bresser-Pereira e o ex-diretor de Política Econômica do Banco Central (BC) Ilan Goldfajn participaram ontem de um debate promovido pelo portal estadao.com.br sobre os rumos da economia brasileira. O vídeo, que foi transmitido ao vivo, pode ser acessado no endereço. Bresser-Pereira é atualmente professor da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, enquanto Goldfajn é sócio da Ciano Investimentos.

Ambos têm diagnósticos semelhantes sobre os problemas econômicos do País, mas discordam sobre as receitas para saná-los. Os dois, por exemplo, reconhecem que a taxa básica de juros ainda é alta demais. No entanto, enquanto Bresser-Pereira acredita que ¿a política do BC é a de manter a taxa de juros alta para favorecer o setor financeiro e os rentistas¿, Goldfajn propõe ¿a redução dos gastos do governo, mais competição, menos risco do País, (mais poder às) agências regulatórias e menos dificuldade de investir¿.

Na questão da taxa de câmbio, os dois economistas divergem frontalmente. Bresser-Pereira defende medidas de controle de capitais, enquanto Goldfajn acredita que o real deve continuar flutuando livremente ante o dólar.

A seguir, os principais temas do debate entre os economistas sobre os rumos do juro e do câmbio para atingir o desenvolvimento econômico.

JUROS

GOLDFAJN: Não acho que os juros serão necessariamente altos no Brasil. Acho que nós todos temos o dever de trabalhar para reduzir os juros. Isso envolve toda a sociedade. É preciso reduzir os gastos do governo, aumentar a competitividade, diminuir o risco do país e as dificuldades para os investimentos, fortalecer as agências regulatórias. Quando nós falamos em Banco Central (BC) existe uma visão até populista, de que o BC quer ter os juros altos porque quer. O BC tem um papel importante que todos sabem. O fato de a inflação ter caído do jeito que caiu e de a distribuição de renda ter melhorado nos últimos anos não são eventos completamente independentes. A queda da inflação beneficia uma maioria silenciosa, a maioria da população. A pobreza tem caído, a distribuição de renda tem aumentado e todo mundo sabe disso. Os partidos políticos sabem, a sociedade sabe e, principalmente, a pessoa que está sendo beneficiada sabe disso. Não adianta dizer que o juro está alto porque alguém quer. Não, o juro está alto porque tem um outro lado, que é a redução da inflação. Todos nós gostaríamos de ter as duas coisas: juros baixos e inflação baixa. Eu tenho a impressão de que isso está acontecendo.O crédito está crescendo a taxas não vistas há muito tempo. É até surpreendendente como, com juros ainda altos, o crédito está crescendo tanto. Essa restrição de crédito que o juro poderia estar ocasionando não se verifica. Restrição ao investimento também não há, tanto é que ele está aumentando. O consumo não está sendo afetado pelo juro alto. Acho que temos todas as condições de viver com juros iguais ao resto do mundo.

BRESSER-PEREIRA: Eu não tenho dúvidas de que dá para baixar a taxa de juros. Eu não tenho dúvidas de que a taxa de juros está nesse nível porque a política do BC é de manter a taxa de juros alta para favorecer o setor financeiro e os rentistas, aqueles que vivem de juros. O meu entender é que o Banco Central brasileiro, que é uma instituição muito importante, está, há muito tempo, capturado pelos interesses financeiros nacionais e internacionais e dos rentistas. Por que eu digo isso? Tenho uma indicação apenas. No Brasil, não existe taxa de juros de longo prazo, mas existe um proxy, que é a taxa de juros que corresponde à taxa de juros do Tesouro americano mais o spread, a taxa de risco Brasil. Essa taxa é de 6% nominal e em torno de 4% em termos reais. E a nossa taxa de juros definida pelo BC é de 8% em termos reais. É o dobro. Não tem razão para ser desse tamanho.

CORTE DA TAXA

BRESSER-PEREIRA: Acho que, para reduzir a taxa de juros, é preciso uma decisão de governo, não depende apenas do Banco Central. Precisa do Banco Central, do presidente da República que, naquele momento, precisa se comprometer com a redução brutal das despesas públicas. Ao mesmo tempo que você reduz a demanda por esse lado, baixa a taxa de juros. Uma coisa compensa a outra e, num prazo de 6 a 8 meses, resolveria esse problema. Mas é preciso respirar fundo, acreditar que isso possa ser feito e fazê-lo. Ao mesmo tempo, é preciso uma reforma, desvinculando a Selic dos títulos públicos. Com isso, tenho certeza de que a inflação não voltaria. Haveria um pequeno aumento de inflação, temporariamente, por causa do câmbio. Uma outra coisa que seria importante nesse processo seria acabar com toda e qualquer forma de indexação que ainda exista. Indexação é uma desgraça para qualquer país e o Brasil ainda tem isso. Mas por que se preocupar com isso se nunca houve tanto aumento de crédito e o consumo está em alta? Por causa do famoso câmbio. Essa taxa de juros causa a apreciação do câmbio. A apreciação do câmbio aumenta os salários, o consumo e o crédito. Nós sabemos que o crescimento econômico é resultado de um projeto de longo prazo. Sabemos que o que estamos fazendo é viver do curto prazo, da baixa poupança, do baixo investimento, em vez de termos uma estratégia de desenvolvimento.

GOLDFAJN: Concordo com Bresser. A derrubada dos juros depende de vários fatores da economia, não apenas do Banco Central. Depende das condições fiscais, das condições mundiais. Acho que, se houver uma redução dos gastos do governo, isso ajudará a derrubar os juros. Disso eu não tenho dúvida. Mas eu não concordo com Bresser que os os juros estejam tão altos por causa de uma decisão voluntária do Banco Central. A realidade é que existe uma instituição preocupada com a inflação e acredita que aquele juro é consistente com uma inflação mais baixa. Tem e está cumprindo um objetivo. Se estiver errado, nós devemos julgar. Há várias outras agências e outros ministérios que não estão cumprindo as suas metas. O Banco Central está cumprindo e deveria ser respeitado por isso. Meta de inflação que está beneficiando a sociedade, está beneficiando os pobres, garantindo a estabilidade, permitindo que os prazos de pagamento se alonguem ou permitindo que os juros longos, como disse o professor Bresser, caiam. Acho que a obrigação do Banco Central é procurar a melhor taxa de juros, dada a meta de inflação. Ninguém quer juros mais baixos à custa de uma inflação mais alta.

DESPESAS

BRESSER-PEREIRA: Especialmente na transição para os juros mais baixos, tem de ter um corte nas despesas. É preciso acabar com o sistema Selic, desvinculando as taxas de juros de longo e curto prazos. Dessa forma teremos uma taxa de juros de mercado. O Brasil é o único país do mundo cuja taxa de juros é tabelada. Nos demais países, o Banco Central define a taxa de juros de curto de prazo. A taxa de juros de longo prazo é definida pelo mercado e incide sobre os títulos do governo. Aqui não. Quando o Banco Central define a taxa de juros de curto prazo, ele estabelece também taxa de juros que o governo tem de pagar para os seus títulos. Isso é um escândalo. Foi algo que foi feito em 1986, num período de inflação elevada, para segurar o mercado financeiro que estava arrebentando. Por que não se modificou depois? Por que o Brasil continua sendo o único país do mundo que tem esse sistema? Quando isso for eliminado, o Banco Central vai definir a taxa de juros de curto prazo. E a taxa de juros que o governo paga será o mercado que vai baixar. No mundo, as taxas de juros de curto prazo definidas pelos bancos centrais oscilam entre zero e 1,5%.

GOLDFAJN: Nesse ponto eu não concordo com Bresser. Acho que o Brasil tem um sistema muito parecido com o resto do mundo. Como os Estados Unidos definem os Fed Funds, o Brasil define a Selic.

CÂMBIO

BRESSER-PEREIRA: Defendo o câmbio flutuante administrado. Isso significa colocar em certos momentos, e este é um momento, controle na entrada de capitais. Existem amplas experiências no mundo para fazer com que o controle de capital conduza o câmbio para o nível certo. Um imposto sobre as exportações é outro mecanismo que pode levantar a taxa de câmbio. Esses dois mecanismos, mais as compras que o governo está fazendo, levantariam a taxa de câmbio.

GOLDFAJN: A proposta do Bresser de controle de entrada de capitais não é uma boa solução. Ela foge do foco da questão, além de não funcionar. Está claro que o mercado financeiro de hoje consegue eventualmente evadir. Temos várias experiências internacionais que mostram que esses controles, no final das contas, acabam distribuindo dinheiro de um para outro. Um exemplo é o da Venezuela. O que ela está fazendo é enriquecer alguns bancos que conseguem arbitrar entre quem está dentro e quem está fora. E por que o controle de capitais é perigoso? Porque tira o foco do lugar certo. Já concordamos aqui que temos de centrar os esforços para as coisas que são relevantes: o governo não pára de gastar. Concordamos que, reduzindo isso, alivia-se a pressão sobre os setores, inclusive sobre os juros e o câmbio. Por que buscar soluções mágicas?

Quem é: Ilan Goldfajn

É economista, com mestrado na PUC-Rio e doutorado (MIT) Foi diretor de Política Econômica do BC (2000/2003) É professor do Departamento de Economia da PUC-Rio e sócio da Ciano Investimentos