Título: As agências reguladoras estimulam o investimento?
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/08/2007, Economia, p. B9

As agências reguladoras têm de atuar no longo prazo, de uma a duas décadas, e não apenas no tempo de um mandato presidencial, afirma Ilan Goldfjan, ex-diretor do Banco Central (BC). Se a preocupação for no curto prazo, elas acabam sendo obstáculo para os governos, afirmou o economista, em debate promovido ontem pelo portal estadao.com.br sobre os rumos da economia brasileira. Para o ex-ministro da Fazenda Luiz Carlos Bresser-Pereira, as agências não devem fazer política, coisa que boa parte delas passou a fazer. A seguir, os principais trechos do debate.

AGÊNCIAS REGULADORAS

GOLDFAJN: A questão das agências é de prazos de visão. Se o prazo de visão é no tempo de um mandato presidencial, por exemplo, é diferente de uma visão de longo prazo, de 10, 20 anos. Se a preocupação são os próximos anos, as agências, para quem quer comandar no curto prazo, atrapalham. Mas é por essa razão que elas funcionam, porque são vistas para além de um mandato presidencial. Elas têm de ser vistas para manter uma estabilidade ao longo de 10, 20 anos. Portanto, o que é ruim para um presidente naquele momento pode ser bom para o Estado, para o país. O problema hoje é que as agências não têm a autonomia que deveriam ter, exatamente por esse conflito com o Executivo. Quando atrapalham, começam a haver propostas do tipo ¿vou demitir, vou cortar salários, vou tentar interferir, vou colocar um apadrinhado¿. São essas dificuldades que levam à incerteza.

BRESSER-PEREIRA: Está havendo um total e absoluto equívoco a respeito das agências reguladoras. Existem agências e agências reguladoras. Todas elas precisam de autonomia administrativa, por isso também são chamadas de agências executivas. Mas as que realmente precisam de autonomia decisória são só aquelas que decidem sobre preços em mercados que são monopolistas. É tipicamente o caso da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) e da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações). Existe uma política de Estado que diz que, num mercado monopolista, os preços devem ser aqueles que seriam como se mercado houvesse. E essa é a função da agência. Agora, essas agências não devem fazer política, coisa que boa parte delas passou a fazer. Em boa parte, na confusão.Houve uma multiplicação e hoje já temos dez agências reguladoras, inclusive para o sistema de saúde, de medicamentos, de cinema e para a aviação civil, todas com a mesma autonomia. Estamos tendo esse caso da Anac (Agência Nacional da Aviação Civil), que é um escândalo. A política de tráfego aéreo no Brasil é responsabilidade do governo federal e ponto.

INVESTIMENTO

GOLDFAJN: O investimento tem aumentado, só que vem de uma base baixa. Na Ásia,por exemplo, é 30% do PIB, sem falar da China, onde chega a 40%. Estamos em 20%, mas já foi pior, de 15%. Estamos chegando lá. Mas ainda temos alguns fatores que desincentivam, como os problemas regulatórios e ambientais, que fazem com que o empresário, para investir aqui, requeira uma taxa de retorno muito acima do que o Brasil quer entregar. A China tem problemas regulatórios e a Índia, também. Só que lá o empresário vai e tem taxa de retorno de 50%. Não é o caso do Brasil, porque, além de crescer, nós queremos crescer com distribuição de renda. E crescer com inflação é crescer concentrando renda e não é o projeto que a nação pretende.

BRESSER-PEREIRA: Esse investimento direto estrangeiro que está entrando no País é, na verdade, financiamento, não significa aumento da taxa de investimento. Com a entrada desses capitais, a taxa de câmbio se valoriza mais ainda do que já está valorizada, os salários aumentam artificialmente mais ainda e aquele investimento direto vira consumo. Para que haja taxa de investimento maior, o fundamental é que haja oportunidades boas de investimento. E aí é que é preciso que haja demanda. É verdade que o consumo interno está aumentando. Mas está aumentando exatamente porque estamos em pleno processo de populismo cambial, que é essa apreciação do câmbio sistemática que estamos tendo neste último ano e meio, dois. Isso aumenta o salário real e as pessoas consomem. Inicialmente, consomem produtos produzidos internamente, mas já estão começando a importar. A importação, que demora um pouco para reagir, está aumentando brutalmente, de forma que a oportunidade dos fabricantes nacionais vai diminuir. Não há perspectiva de que, com esse tipo de desenvolvimento baseado em câmbio apreciado e consumo, o País possa ter realmente desenvolvimento. O que temos de ter é oportunidade de desenvolvimento baseado na exportação.

DEMANDA

GOLDFAJN: Acho que nós devemos olhar os nossos problemas para frente, não os problemas do passado. Nós temos hoje vendas crescendo a 10% ao ano, enquanto os salários estão subindo, o crédito está farto e os prazos ampliados. Mas nosso problema não é crescer acima de 4%. Acho que este ano vamos crescer perto de 5%, algo entre 4,5% e 5%, que é uma taxa melhor do que a dos últimos 10, 20 anos. Estamos avançando, mas, para continuar nessa taxa, algo tem de vir junto. Para mim, temos de focar na capacidade de oferta de infra-estrutura. Não é à toa que o problema do apagão aéreo está nas capas dos jornais. Não foi só um acidente trágico e infeliz da TAM. Tem uma questão da falta de pistas, da falta de aeroportos. E não são só os aeroportos que têm problemas desse tipo. Os preços da energia elétrica, por exemplo, já estão subindo porque nós não conseguimos investir a tempo para atender à demanda futura. Os especialistas estão preocupados que possa faltar energia em 2009, 2010. Energia, aeroportos, rodovias, portos. Os empresários não estão sentindo a falta de demanda, não estão sentindo a falta de alguém para comprar. Estão sentindo a falta de facilidade para investimentos.

BRESSER-PEREIRA: O problema brasileiro é mais do lado da demanda do que do lado da oferta. Claro que há problemas do lado da oferta também. Temos problemas de infra-estrutura, temos vários problemas do lado de educação, que são seriíssimos. Mas o enorme desemprego, o enorme desperdício de recursos humanos, a enorme migração de brasileiros ao exterior, inclusive de classe média e de classe alta, mostram que o problema é de demanda, que nós precisamos de oportunidades para os empresários investirem. É disso que precisamos.

Quem é: Bresser-Pereira

É economista e cientista social na FGV.

Foi secretário do Governo de São Paulo (governo Franco Montoro), ministro da Fazenda (governo Sarney) e ministro da Administração e da Ciência e Tecnologia (governo FHC)