Título: Tragédias aéreas anunciadas
Autor: Carvalho, Caio Luiz de
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/07/2007, Espaço Aberto, p. A2

O acidente da TAM foi uma tragédia anunciada, de proporções que jamais serão esquecidas. E impressiona a quantidade de matérias veiculadas na mídia com declarações de autoridades mencionando justamente a ¿tragédia anunciada¿.

Em 1985, durante o governo Montoro, participei dos trabalhos do início do processo de desativação do Aeroporto de Congonhas. Estava decidido que lá permaneceria apenas a aviação geral e a Ponte Aérea Rio-São Paulo. Dezenas de projetos foram apresentados, que iam desde a construção de área de lazer até um shopping nas áreas desocupadas e transferidas para o então moderno Aeroporto Internacional de Guarulhos.

Passaram-se 12 anos e, de maneira irresponsável, a Infraero, o antigo DAC, a atual Anac, as companhias aéreas e seus dirigentes falharam no inchaço de Congonhas, contrariando o destino corretamente traçado no passado. Colocaram interesses pessoais, comerciais e financeiros diversos acima de qualquer racionalidade ou estratégia que privilegiasse a segurança de passageiros e da população que vive naquela região.

Desde o anúncio da desativação, passamos pela tragédia da queda do Fokker 100 da TAM em 1996, por derrapadas de muitas aeronaves, congestionamentos nos céus paulistanos que apavoram todos os que, como eu, assistiram às imagens nos monitores dos controladores de vôos em Congonhas, em horários de pico.

Chegamos a 2007 com um movimento absurdo de 18 milhões de passageiros em Congonhas. Um enorme ¿business¿ para muitos e mais uma vez presente a irresponsabilidade inconseqüente. Falaram mais alto a falta de planejamento, os ¿lobbies¿ e o interesse financeiro.

Esqueceram-se dos moradores e da incompatibilidade da existência de um aeroporto desse porte no coração de São Paulo. Depois de 2002 as coisas pioraram, pois se investiu uma fortuna em obras luxuosas no Aeroporto de Congonhas, consolidando o erro. Muito pouco se investiu em tecnologia para controle da demanda aérea crescente.

Entre pista segura e shopping, viva o shopping! Gastou-se demais em nome de um conforto que a poucos privilegia. E ainda num cenário de aumento de demanda. Há três anos venho dizendo, em palestras e artigos, que Congonhas deve ser repensado e sua utilização, regulamentada. Que lá fiquem vôos com destino ao Rio de Janeiro, a Curitiba, Belo Horizonte e Brasília, apenas. Sempre haverá os que dirão que São Paulo perderá receitas importantes. O modelo traçado ao longo destes anos não era a solução. Tanto não era que estamos num impasse sem projeto à vista.

O Aeroporto da Pampulha, em Minas Gerais, foi responsavelmente desativado em 2003 pelos governos locais. Santos-Dumont foi desativado em 2003, após uma custosa briga do governo do Estado com a Infraero, que queria ampliar e realizar obras milionárias no local. A Infraero perdeu a briga, pois lá só restou a Ponte Aérea Rio-São Paulo. Os outros vôos foram transferidos para o Galeão. Mas, em nome do Pan 2007, aproveitou para gastar mais de R$ 200 milhões numa reforma milionária e numa ampliação questionável.

Em São Paulo, temos o Aeroporto de Guarulhos já estrangulado pela demanda, buscando a construção de sua terceira pista e às voltas com uma invasão de sem-terra, que obstruem sua rápida ampliação.

É hora de não inventar rodas quadradas. O Aeroporto de Viracopos está pronto. Desde 1985 teria de ter sido pensado como alternativa futura. Por que esperar até 2013 para investir nele, como prevê a Infraero? Se lá tivessem investido o que gastaram com os ¿fingers¿ e detalhes caros em Congonhas e Santos-Dumont, já teríamos em São Paulo um dos melhores e mais seguros aeroportos da América do Sul.

É só questão de um pequeno exercício de visão estratégica. É longe? Sem um trem-bala não dá? Bobagens. Usar a criatividade é preciso. E apostar em parceiros privados futuros, também. Já nos anos 70, as companhias internacionais lá operavam com sucesso. Pode-se de imediato adotar uma das faixas da via expressa na Rodovia dos Bandeirantes, com pedágio ou não.

E que não tentem criar um novo Congonhas no Campo de Marte, construindo, como ouvi falar, uma terceira pista para receber parte do fluxo daquele aeroporto. Seria só mais perigo sobre nossas cabeças. Não creio que o Ministério Público e a Prefeitura concordem.

O apagão aéreo sem luz no fim do túnel é uma triste realidade a abater um país-continente que precisa crescer e tem no transporte aéreo sua única opção para integrar o País, deslocar pessoas e levar suas riquezas. Para não falar nas grandes baixas que a crise vem causando ao desenvolvimento do turismo brasileiro - atividade que é o instrumento maior para a geração de empregos e renda em regiões como o Nordeste e a Amazônia Legal.

Tudo leva a crer que desta vez chegou a hora do basta e de que todas as partes incompetentes dessa novela inglória para o País tenham consciência e resolvam pôr fim a essa bagunça em que se transformaram o transporte aéreo brasileiro e toda a sua infra-estrutura de apoio. Um basta definitivo, cortando cabeças, deve ser a palavra de ordem do presidente da República e da sociedade organizada, de uma vez por todas. Muitas vidas se foram sem respostas convincentes e o sofrimento sobreviverá para sempre nas famílias das vítimas. Apurem-se os culpados. Não importa discutir se o avião aquaplanou ou não. A caixa-preta revelará as razões do acidente. Relevante é investigar se procede a suspeita de terem criminosamente entregue a obra da pista de pouso de Congonhas sem a fresagem necessária para sua drenagem. Basta de brincar com vidas e pessoas.