Título: Novos direitos na China
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Fonte: O Estado de São Paulo, 03/07/2007, Notas & Informações, p. A3

Transformada numa das maiores e mais agressivas potências comerciais, a China tenta livrar-se da imagem de país de mão-de-obra muito barata, desprotegida e superexplorada. Para isso, a Assembléia Popular Nacional acaba de aprovar uma lei destinada, oficialmente, a reprimir alguns dos mais notórios abusos cometidos pelas empresas contra os empregados. A medida foi anunciada pouco depois de novas denúncias de trabalho escravo nas províncias de Shanxi e Henan. As vítimas, desta vez, seriam tanto trabalhadores adultos quanto crianças.

As condições do mercado de emprego vêm mudando há alguns anos, com salários mais altos e melhores condições de emprego nos grandes centros industriais. Apesar disso, a China continua distante dos padrões trabalhistas das economias mais avançadas e até de muitas em desenvolvimento, como o Brasil, o México, a Argentina e o Chile.

A lei recém-aprovada apenas introduz algumas garantias consideradas elementares nesses países. Fixa regras para contratação e demissão, dispõe sobre segurança no trabalho e limita os períodos de experiência e de serviço temporário. Uma das novidades importantes, segundo o material divulgado pela Assembléia Popular Nacional, é o estabelecimento de punições para funcionários do Estado, em caso de negligência ou de violação dos direitos trabalhistas.

A lei, proposta em dezembro de 2005, demorou um ano e meio para ser aprovada. Em abril, uma primeira versão do texto foi posta em discussão pública. Foi um raro debate aberto, com mais de 190 mil comentários encaminhados.

É impossível prever se a nova lei contribuirá para uma redução significativa dos abusos. Isso dependerá principalmente da orientação do governo. Mas grupos empresariais estrangeiros trataram de protestar desde a apresentação do primeiro esboço. A nova lei, segundo seus críticos, elevaria o custo da mão-de-obra e tornaria menos competitivos os produtos chineses. Para os defensores da mudança, se os empregadores foram contrários à lei, algo bom para os assalariados deve estar em gestação.

Segundo os críticos da lei, a China se tornará menos atraente para os investidores. Mas não tanto quanto gostariam os países que sofrem com a concorrência chinesa. A indústria continuará beneficiada por outros fatores, como os subsídios, o câmbio desvalorizado, o apoio do governo à modernização tecnológica e os próprios salários. Além disso, a vice-diretora do departamento jurídico da Assembléia Popular, Xin Chunying, deu um recado tranqüilizador: ¿Se houver algum viés na aplicação da lei, será a favor dos investidores estrangeiros, porque os governos locais são muito tolerantes em relação a eles, para atrair e reter o investimento. Mesmo em caso de violação da lei, os funcionários ainda hesitarão em resistir (às companhias estrangeiras).¿ Em outras palavras: a lei foi aprovada e o governo tentará aplicá-la, mas nenhum empresário deve ficar muito preocupado.

Seja como for, a nova lei começará a impor alguma ordem num mercado de trabalho crescente e cada vez mais sujeito a conflitos. Atenderá, portanto, a demandas sociais e políticas internas. Além disso, é uma resposta a pressões internacionais e contribuirá para reforçar a legitimidade da China como grande participante do mercado global. Como sócio da OMC, o país não poderia negar por muito tempo, sem despertar maior animosidade, esse tipo de satisfação à comunidade internacional. Moralmente, a chamada questão social é mais importante que a política de câmbio.

O governo chinês continua defendendo o direito de ajustar o valor do renmimbi, a moeda nacional, de acordo com sua conveniência. Pode alegar critérios de estabilidade financeira para evitar uma alteração mais veloz do padrão cambial. Mas não poderá continuar defendendo condições trabalhistas muito piores que as dos países ocidentais.

Para países como o Brasil, signatário da maior parte das convenções da Organização Internacional do Trabalho, a nova atitude da China mostra a inutilidade da resistência à inclusão de cláusulas trabalhistas em acordos internacionais de comércio. Não envolvem mais do que alguns compromissos básicos e, ao aceitá-los, o país ganha uma blindagem moral.