Título: PEC dos precatórios, um tiro no pé
Autor: Innocenti, Marco Antonio
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/07/2007, Economia, p. B2

O Senado Federal tem sido palco de encontros entre representantes dos credores e devedores de precatórios para discutir o Projeto de Emenda Constitucional (PEC) nº 12. Depois da última reunião, realizada no início de junho, ficou claro que as entidades públicas se negam a negociar alternativas ao texto original para aliviar a situação dos credores. De autoria do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Nelson Jobim, a PEC 12 propõe o fim da ordem cronológica dos precatórios, entre outras medidas de igual aberração da ordem constitucional. Tal atitude não causa surpresa aos credores, sobretudo àqueles que aguardam por anos pela quitação de créditos de natureza alimentar. De acordo com a Constituição Federal, eles deveriam gozar de prioridade no pagamento dessas dívidas. Ocorre que eles vêm sendo preteridos e com a nova proposta serão simplesmente esquecidos. Com a faca e o queijo na mão, é difícil acreditar que os devedores estivessem de fato interessados numa solução para o pagamento. Após o STF afastar o risco de intervenção federal nos Estados, os precatórios transformaram-se num problema dos credores e seus advogados. Longe de preconizar uma solução que atenda os credores, a PEC 12 tem ainda a audaciosa pretensão de dar o calote nos débitos não alimentares, que acabaram tendo recentemente seu pagamento diferido em dez prestações anuais, garantido o seqüestro das parcelas eventualmente não satisfeitas. Na prática, a PEC 12 autoriza os Estados e os municípios a também deixarem de honrar esses compromissos. Dessa forma, os próprios credores estão tendo de encontrar soluções para contornar a situação. Para se ter uma idéia, esses créditos vêm permitindo que empresas endividadas com o Fisco obtenham na Justiça compensação da sua dívida com precatórios cedidos por seus credores originários. Agora passaram também a constituir, com o aval da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), ativos financeiros aptos a lastrear fundos de investimento com perfil de longo prazo, compatíveis com aqueles da dívida do Tesouro norte-americano, atraindo investidores dispostos a aguardar o tempo que as entidades devedoras reclamam para quitar os precatórios. O excesso de liquidez no mercado financeiro e a redução contínua dos juros tornaram atrativos os investimentos em títulos brasileiros com rentabilidade superior a 10% ao ano. Esse é o porcentual mínimo que os precatórios rendem, considerando juros e correção monetária. Mas isso pode dobrar nos casos em que o Judiciário tiver estipulado juros compensatórios, como nas desapropriações. Isso explica por que renomadas instituições financeiras, com o aval das agências de classificação de risco e dos bancos de investimento dos EUA e da Europa, já estão oferecendo lá fora cotas de fundos de investimento lastreados exclusivamente em precatórios. Em troca da rentabilidade assegurada, investidores estrangeiros dispõem-se a trocar de lugar com milhares de aposentados e pensionistas que não podem aguardar por até dez anos para receber seus créditos. A cessão dos precatórios não soluciona o problema da falta de pagamento. Mas, além de constituir algum alento para os credores originários, serve de alerta para o Congresso Nacional quanto à sua responsabilidade em rejeitar medidas que impliquem calote dos precatórios, mantendo as taxas de juros com que foram constituídos os créditos pelo Poder Judiciário. Certamente não será com a mesma desfaçatez que as entidades devedoras voltarão a se sentar com os credores de precatórios para intimidá-los a aceitar a aviltante PEC 12. Pois deixarão de se deparar na mesa de negociação com os aposentados e pensionistas e terão pela frente representantes das mesmas instituições financeiras que estão prestes a conferir ao Brasil o tão almejado grau de investimento. Se o Poder Legislativo não deseja de fato oferecer nenhum tipo de solução concreta para moralizar o pagamento dos precatórios, que não piore a situação. Se não há condições políticas para criar regras eficazes para romper o estado de letargia em que grassa essa crônica inadimplência, que seja então sepultada a PEC 12. Caso contrário, o Brasil continuará refém dos mesmos riscos que sempre o impediram de desfrutar da confiança necessária para os investimentos indispensáveis ao seu desenvolvimento.