Título: Teles correm risco de reestatização
Autor: Cruz, Renato
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/08/2007, Economia, p. B3
Golden share proposta pelo governo poderia permitir ingerência na gestão da planejada grande empresa nacional.
A proposta do governo de criar 'uma grande empresa nacional de telecomunicações', com a fusão entre a Oi (antiga Telemar) e a Brasil Telecom, traz o risco de se converter, na prática, em uma reestatização, abrindo espaço para influência política num setor que, desde a privatização do Sistema Telebrás, em 1998, encontra-se nas mãos da iniciativa privada.
A golden share (ação com direitos especiais), vista pelo governo como solução para impedir o controle pelo capital estrangeiro, abriria espaço para a intervenção direta da administração pública na gestão da empresa.
'Não existe limite para os poderes da golden share, desde que os demais acionistas concordem', explicou o advogado Floriano de Azevedo Marques, que participou da equipe que elaborou os regulamentos do setor. A golden share permite que um acionista tenha poderes maiores do que permitiriam sua participação acionária. Ela é definida pelo estatuto da empresa.
A fusão entre a Oi e a Brasil Telecom é vista com bons olhos pelo mercado financeiro, mas existe um temor da influência do governo na administração da empresa. 'Não faz muito sentido o governo interferir na gestão', apontou a analista Luciana Leocádio, da Ativa Corretora. 'Seria uma reestatização.'
O anúncio feito na quarta-feira pelo ministro das Comunicações, Hélio Costa, pode criar um conflito no governo. Segundo uma fonte do setor, as operadoras de telecomunicações não reconhecem o ministro como interlocutor, pois costumam conversar com a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. A proposta de Costa, com sua golden share, deixou as empresas preocupadas.
O modelo desenhado para o setor brasileiro de telecomunicações separou regulação de operação. A definição de políticas públicas ficou a cargo do governo, a regulamentação e a fiscalização do setor, a cargo da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e a operação dos serviços passou para a iniciativa privada. A golden share proposta pelo governo confundiria de novo os papéis de regulação e operação, como acontecia na época do Sistema Telebrás, abrindo espaço para a ingerência política no setor.
Apesar de os investidores verem com bons olhos, a nova empresa traria concentração de mercado e reduziria a possibilidade de competição. 'A mudança iria desestruturar o modelo por uma questão circunstancial, empresarial', afirmou o consultor Juarez Quadros do Nascimento, ex-ministro das Comunicações. 'Desde a época da privatização não havia poupança interna para manter as operadoras nacionais.'
Além disso, a restrição ao capital estrangeiro na nova empresa pode ser considerada mudança de regras pelos investidores internacionais, levando a contestações na Justiça. Na privatização, não houve impedimento ao capital estrangeiro.
Seria fácil acabar com a proibição de fusão entre concessionárias, com um decreto presidencial. Fazer com que ela valha somente para a Oi e a Brasil Telecom, não. Restringir o capital estrangeiro em uma só empresa também não. 'Não há previsão legal para mudança de regra em troca de vantagem para o governo', disse o advogado Carlos Ari Sundfeld, que integrou a equipe que elaborou a Lei Geral de Telecomunicações (LGT). 'Seria preciso mudar a lei, para uma lei pior.'