Título: Ninguém gere o sistema aéreo
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Fonte: O Estado de São Paulo, 07/07/2007, Notas & Informações, p. A3

O pesquisador que, em futuro não muito distante, resolver estudar um caso de rápida demolição de um serviço público, vital para a economia nacional, certamente terá de ler o relatório parcial da CPI do Senado sobre o Apagão Aéreo. O governo criou imensas dificuldades para a instalação desta CPI, alegando que a investigação parlamentar complicaria ainda mais a balbúrdia que se instalou nos aeroportos a partir de novembro do ano passado. Mas os membros da CPI comportaram-se, na verdade, com grande sobriedade. Não transformaram as sessões do órgão em shows de exibicionismo, como ocorreu nas CPIs que precederam esta. Ao contrário, preocuparam-se em fazer um criterioso levantamento das causas e dos efeitos do apagão e em propor soluções para o problema. Não precisaram atacar direta e espalhafatosamente o governo. Os fatos levantados são, por si sós, uma comprometedora documentação da ineficiência do governo Luiz Inácio Lula da Silva na administração da infra-estrutura nacional.

Os movimentos de insubordinação dos sargentos controladores de vôo sem dúvida desencadearam a crise dos aeroportos. Mas a verdade é que a crise estava latente. O sistema aeroportuário já estava funcionando no limite da exaustão e o caos era questão de tempo. Para isso concorreram alguns fatores.

O primeiro deles, mas não o mais importante, foi o imenso aumento da demanda por viagens aéreas, da ordem de 20% ao ano, num período em que vícios de gestão retiravam do mercado a Vasp e a Varig - a Transbrasil saíra antes. O segundo foi o desmanche da estrutura de planejamento e controle da infra-estrutura aeronáutica, que o governo Lula consumou entre 2005 e 2006. O terceiro foi o descaso com que o governo tratou a indústria do transporte aéreo, vista por alguns como um luxo inacessível à maioria da população e, por outros, como um setor a ser aparelhado por cupinchas do partido.

As empresas aéreas trataram de aproveitar o momento favorável, oferecendo o maior número possível de vôos a seus clientes, a partir de aeroportos centrais. Como não havia um órgão eficiente de coordenação do sistema, a infra-estrutura aeroportuária e aeronáutica ficou logo saturada. Em 2003, o Conselho Nacional de Aviação Civil (Conac) já advertia para o caos que viria e recomendava que a autorização para o funcionamento das linhas fosse compatível com a capacidade dos aeroportos e dos auxílios à navegação; que fosse estimulada a construção de novos aeroportos pela iniciativa privada; e que fosse ampliado o programa de formação de recursos humanos (controladores de vôo inclusive). O Conac foi colocado em hibernação e só voltou a se reunir quatro anos depois, no mês passado.

Em 2005, foi criada a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), um órgão civil vinculado ao Ministério da Defesa, para substituir o Departamento de Aviação Civil (DAC), um órgão militar do Comando da Aeronáutica. Mas a Anac não recebeu todas as funções do DAC, que foi extinto. A experiência acumulada durante meio século, no planejamento e administração de um sistema de aviação civil, integrada à aviação militar, foi jogada fora por uma simples penada. O sistema deixou de obedecer a uma hierarquia. A Infraero, por exemplo, amplia estações de passageiros, transformando-as em luxuosos shopping centers, mas não constrói mais pistas de pouso nem aumenta a área de estacionamento dos aviões. Assim, como notou um especialista do TCU, o terminal de passageiros passa a ter capacidade para receber 8 milhões de passageiros por ano, mas as pistas do mesmo aeroporto não comportam mais de 2 milhões. Como observou o senador Demóstenes Torres, relator da CPI, quando a Infraero resolve ampliar ou construir um aeroporto, não se entende antes com o controle aéreo; quando a Anac concede ou altera uma rota, não conversa com a Infraero e muito menos com o controle aéreo. O Ministério da Defesa, por sua vez, tem nisso tudo um papel meramente decorativo.Ninguém gere o sistema.

As sugestões feitas pela CPI para a superação da crise são, em geral, sensatas. Mas nada funcionará se o governo não fizer o Ministério da Defesa funcionar como órgão coordenador do sistema de aviação civil, supervisionando a Infraero, a Anac e o controle aéreo.