Título: 'Sírios estão por trás de grupo radical no Líbano'
Autor: Chacra, Gustavo
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/08/2007, Internacional, p. A9

Ahmed Fatfat: ministro libanês dos Esportes e Juventude.

Acusada pela oposição e por refugiados palestinos de financiar o grupo extremista Fatah al-Islam, em guerra com o Exército libanês desde maio no campo de refugiados de Nahr el-Bared, no norte do Líbano, a coalizão de governo 14 de Março decidiu contra-atacar. Em entrevista ao Estado, o ministro libanês dos Esportes e Juventude, Ahmed Fatfat, braço direito do líder sunita Saad Hariri, acusa a Síria de ter montado e financiado o Fatah al-Islam e diz que o Hezbollah é aliado do grupo. O objetivo sírio seria desestabilizar o Líbano para intervir novamente no país.

A oposição acusa Saad Hariri e membros do governo aliados da Arábia Saudita de financiar o Fatah al-islam. O governo diz que são os serviços secretos sírios. Por que a Síria?

A Síria quer o caos no Líbano para poder voltar a intervir. Eles querem o retorno dos tempos do mandato (quando a Síria ocupava militarmente o Líbano, até 2005). Temos muitas provas de que os sírios estão por trás do Fatah al-Islam. Primeiro, Shakir al-Abssi (líder do Fatah al-Islam) foi libertado da prisão na Síria três anos atrás. Damasco não costuma libertar inimigos. Ficou no país após ser solto. Depois, veio para o Líbano por meio do Fatah al-Intifadah, um grupo assumidamente ligado ao regime sírio. Em Nahr el-Bared, ele simulou um golpe para criar o Fatah al-Islam. Além disso, Walid al-Moalem (chanceler sírio) reconhece que vários membros do grupo vieram do Iraque para o Líbano através da Síria. Quando começaram os confrontos, o governo libanês deu total apoio ao Exército, enquanto o xeque Hassan Nasrallah (líder do Hezbollah) disse que o Exército tinha cruzado a linha vermelha e não deveria atacar o campo de refugiados. Por último, sabe-se que o atentado contra o ônibus em Bifkaya (cidade cristã) foi cometido pelo Fatah al-Islam. Esse ataque ocorreu em 13 de fevereiro, um dia antes da data que marca o assassinato de Rafic Hariri (pai de Saad), quando sempre fazemos manifestações em sua memória em Beirute. O objetivo foi deixar a população com medo e esvaziar as manifestações.

Mas qual seria o objetivo do Hezbollah, que é xiita, ao financiar o Fatah al-Islam, grupo ligado à rede terrorista Al-Qaeda, que é sunita?

Não faria sentido se fosse uma milícia sunita contra o Hezbollah. Mas, se for parte de uma estratégia dos serviços secretos sírios para assumir o controle do Líbano, faz sentido. Quando Nasrallah disse que o Exército havia cruzado a linha vermelha ao atacar o Fatah al-Islam, ficou provado que o grupo não é inimigo do Fatah al-Islam, mas um aliado. Além disso, por que Hariri montaria uma milícia no norte, se o Hezbollah está no sul? O norte é uma região sunita, não há Hezbollah nessa área.

Por que os palestinos de Nahr el-Bared acusem Hariri e grupos ligados a ele de financiar o Fatah al-Islam?

Eles acusam porque demos apoio total ao Exército. Eles acreditam que essa é uma razão para o Exército entrar e destruir o campo. Em algumas semanas, após o fim das batalhas em Nahr el-Bared, será mais fácil explicar-lhes o que houve. Porque o Fatah al-Islam é contra a gente e contra eles (os palestinos). É um grupo terrorista que assumiu o controle de Nahr el-Bared.

O Fatah al-Islam será eliminado?

Eles serão eliminados em quase 95%. O grande bloco deixará de existir em algumas semanas.

Após o assassinato de Walid Eido, uma apresentadora de TV da oposição disse, sem notar que estava no ar, que o sr. seria o próximo. Que medidas o sr. tomou?

Sou ameaçado desde 2004, quando me neguei a votar a favor da prorrogação do mandato do presidente Émile Lahoud. Em 2005, recebi novas ameaças, após o atentado que matou Rafic Hariri.Minha casa em Trípoli chegou a ser atacada. No fim de 2006, recebi uma ameaça da Síria. Um amigo meu que voltou da Síria, com quem tem boas relações, disse-me que, se eu não mudasse, iriam matar-me.

O sr. acredita que a Síria está por trás da maioria dos ataques no Líbano?

Sim, tenho certeza. Os serviços secretos sírios. Se trabalham para (o presidente Bashar) Assad ou pelas costas dele eu não sei.

Usando como base uma reportagem de Seymour Hersh na 'New Yorker', a oposição também afirma que a Arábia Saudita está por trás da coalizão governista 14 de Março e de muitas ações recentes no país.

Sim, os sauditas apóiam o governo. Mas não tem lógica dizer que estamos por trás dos assassinatos. Todas as pessoas mortas eram da 14 de Março. Lembre-se de que Seymour Hersh é amigo do Michel Samaha, conhecido político pró-Síria no Líbano.

Há alguma milícia sunita ligada ao governo libanês sendo montada?

Não há nem haverá milícia sunita do movimento Futuro (de Hariri). Nós apoiamos o Exército.

Uma hora o governo terá de lidar com o Hezbollah, que controla quase todos os xiitas no Líbano.

É um problema político. Eles sabem que também controlamos a maioria dos sunitas e precisarão lidar com a gente. A diferença é que nos negamos a usar milícias. O Exército pode defender o país. Não precisamos mais do Hezbollah.

O governo pretende negociar com Israel?

Seremos o último pais a fazer paz com Israel. E não podemos fazer isso antes de eles assinarem a paz também com os palestinos. Temos 500 mil refugiados palestinos e não temos condições de integrá-los. (...) Acho que Israel, assim como a Síria, não quer que o Líbano fique de fora dos problemas no Oriente Médio. Eles usam o Líbano como arena. É mais fácil fazer guerra no Líbano.

Há risco de guerra civil?

O Irã não quer, não é do interesse dele no momento um conflito entre xiitas e sunitas. Todos dizem não querer, até o Hezbollah. Os sírios trabalham para isso.

Quem é: Ahmed Fatfat

Braço direito do líder sunita Saad Hariri.

É odiado pela oposição, que o acusa de ajudar a organizar o grupo radical Fatah al-Islam. Ele nega.

Em junho, após um atentado matar o deputado governista Walid Eido, uma apresentadora da TV do grupo xiita Amal,

afirmou que Fatfat deveria ser o próximo a morrer.