Título: Congresso dos EUA aprova lei que eleva subsídios agrícolas
Autor: Mello, Patricia Campos
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/08/2007, Economia, p. B5

Além da ajuda aos produtores, a lei mantém programas banidos pela OMC.

Os Estados Unidos estão prestes a adotar a Lei Agrícola mais retrógrada da história, com potencial para aumentar significativamente o volume de subsídios que distorcem os preços agrícolas internacionais.

A lei que acaba de ser aprovada pela Câmara dos Deputados americana mantém todos os programas de subsídios banidos pela Organização Mundial do Comércio, aqueles que estimulam a superprodução e deprimem os preços mundiais, prejudicando agricultores de todo o globo. Não há mudança prevista nem nos subsídios para o algodão, que voltaram a ser condenados pela OMC recentemente.

'Essa lei é um revés muito grande', diz Ken Cook, presidente do Environmental Working Group, entidade que mapeia todos os subsídios agrícolas concedidos nos EUA. 'E é uma lição para o Brasil - não adianta negociar com os Estados Unidos; no caso dos subsídios, só litígio ou ameaça de retaliação vão funcionar.' Para Cook, o Brasil foi 'trouxa' de adotar a posição de esperar até o fim da Rodada Doha e não retaliar.

A Câmara americana derrotou as propostas de reforma do sistema, que previam a redução dos subsídios distorcivos como preços mínimos, pagamentos diretos e 'loan deficiency payments'. Ao contrário, a nova legislação eleva os preços mínimos garantidos para trigo, soja e açúcar. Os reformistas sugeriam seguros de safra e subsídios não acoplados a produção, tipos de incentivos que não distorcem preços.

A lei também vai manter os benefícios para os grandes fazendeiros dos EUA. Hoje em dia, fazendeiros que faturam até US$ 2 milhões por ano têm direito a subsídios. O presidente George W Bush havia proposto que esse limite passasse para US$ 200 mil por ano. Mas a Câmara reduziu o teto para US$ 1 milhão.

'Essa Lei Agrícola consegue ser pior do que a anterior, porque reduz os subsídios permitidos e aumenta os ditos proibidos', diz Robert Thompson, um dos maiores especialistas em economia agrícola, diretor do programa de políticas agrícolas da Universidade de Illinois.

A legislação é mais um golpe contra as combalidas negociações de Doha . 'A Farm Bill destrói qualquer credibilidade dos EUA nas negociações', diz Thompson. Para ele, a lei mostra um desdém pelas decisões do algodão e reduz ainda mais qualquer chance de avanço na Rodada Doha este ano.

Para Pedro de Camargo Neto, presidente da Abipecs (Associação Brasileira da Indústria Produtora de Carne Suína), ex-secretário da Produção e Comercialização do Ministério da Agricultura e idealizador dos painéis de açúcar e algodão, está mesmo na hora de o Brasil retaliar. 'Essa lei mostra que os americanos não têm a menor intenção de reduzir os subsídios.'

A legislação foi uma grande decepção para acadêmicos e para a coalização anti-subsídios dos EUA, que reúne ambientalistas, grupos humanitários, alianças da indústria e de livre-comércio. Esperava-se que a nova maioria Democrata no Congresso fosse reformar o sistema de subsídios, transformando programas distorcivos em incentivos que não afetam os preços mundiais, como seguros agrícolas. Mas os democratas cederam às pressões do lobby agrícola para garantir a reeleição de alguns deputados em distritos rurais.

Os legisladores estão apostando que os preços das commodities vão permanecer altos, o que manteria os subsídios distorcivos dentro do limite de US$ 19,1 bilhões acordado com a OMC. 'Mas se os preços caírem, os subsídios vão crescer muito e estarão sujeitos a vários painéis na OMC', diz André Nassar, presidente do Icone. Para ele, a lei é mais um motivo para o Brasil contestar os subsídios do milho na OMC, tal como o Canadá está fazendo.

O Senado deve apresentar sua versão da Lei Agrícola em outubro e pode tentar destinar mais dinheiro para conservação. Mas não se esperam grandes mudanças nos subsídios distorcivos. O Presidente Bush prometeu vetar a lei, mas muitos acreditam que o custo político desse veto seria muito grande.

'Eu não apostaria nisso', diz Thompson. 'Nunca uma lei agrícola foi vetada por um presidente.' O jornal The Wall Street Journal descreveu a luta para reduzir os subsídios agrícolas como 'uma versão doméstica da paz entre Israel e a Palestina'.