Título: 'O México vai se aproximar do Mercosul'
Autor: Marin, Denise Chrispim
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/08/2007, Economia, p. B6

Patrícia Espinosa: chanceler do México.

Em sua visita ao México, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva encontra um governo disposto a seguir o caminho do Chile. Ou seja, o México quer ampliar aos poucos os seus acordos comerciais com os sócios do Mercosul e garantir a vaga que pretende de membro associado do bloco. Essa tática foi exposta pela chanceler do México, Patrícia Espinosa, para quem as resistências à negociação de um acordo de livre comércio entre seu país e o Brasil esbarram sempre nas sensibilidades mexicana na área agrícola e brasileira no setor de serviços.

Em entrevista ao Estado, Espinosa deixou claro que as relações entre as duas maiores economias da América Latina não podem continuar na inércia e que o encontro de hoje entre os presidentes Lula e Felipe Calderón vai mudar o sentido dessa convivência. A aproximação deverá se assentar em um memorando na área de energia, que envolverá os biocombustíveis, e uma parceria entre a Petrobrás e a Pemex. A seguir os principais trechos da entrevista.

Há uma enorme resistência, no México, à negociação do livre comércio com o Mercosul, gerada pela sensação de que os acordos anteriores não trouxeram os benefícios esperados. O México, entretanto, insiste em tornar-se membro associado do bloco, o que exigiria a assinatura de um acordo de livre comércio. Como o governo Calderón pretende contornar essa contradição?

Eu colocaria as coisas na ótica contrária. O México é uma das economias mais abertas do mundo, tem o maior número de acordos de livre comércio. Mais que uma resistência a negociar, temos uma diferença de enfoque com o Mercosul sobre como devem ser os acordos. Para o México, são acordos mais amplos que na concepção do Mercosul. Isso dificultou o início das negociações.

A dificuldade não estaria na resistência do México à abertura de seu mercado agrícola aos produtores do Mercosul?

É claro para os países do Mercosul e para o México que os produtos agrícolas é um ponto sensível das negociações. Mas a outra parte sensível, para o Mercosul, é o setor de serviços. Para iniciar uma negociação, temos de chegar a um acordo sobre os temas que estarão envolvidos. Isso ainda não ocorreu.

O Mercosul poderia abrir uma exceção ao México e dar-lhe o status de membro associado apenas com os acordos de preferência tarifária já celebrados?

Conversamos com nossos colegas do Chile, que também é uma economia muito aberta e se tornou membro associado do Mercosul. Os chilenos nos sugeriram seguir seu exemplo, de integrar os diferentes acordos que firmou com cada sócio do Mercosul. O México tem acordos de diferentes naturezas com os membros do Mercosul. Com o Uruguai há um acordo de livre comércio. Com Argentina, Brasil e Paraguai, o México firmou apenas acordos de preferência tarifária.

Esse tema estará nas conversas entre os presidentes Calderón e Lula?

Esse tema sempre está na agenda. O presidente Calderón está muito interessado em ouvir, da boca do presidente Lula, uma avaliação da situação do Mercosul neste momento e de seus objetivos. Essa avaliação ajudará ao México definir o que vai fazer em relação ao Mercosul. O que está claro é nossa vontade de continuar atuando de maneira muito próxima ao Brasil e ao Mercosul e de mostrar que os governantes da América Latina podem identificar pontes para trabalhar seus desafios comuns.

Pegou mal no governo brasileiro a decisão do México, do Chile e de outras nações em desenvolvimento de apresentar uma proposta na Rodada Doha de corte de 60% nas tarifas industriais. A iniciativa não causou mais problemas do que soluções?

As posições do México são derivadas de como vemos os nossos próprios interesses. Nesse caso, a economia mexicana é tão aberta que podemos acompanhar uma posição de maior abertura. Consideramos que isso poderia ajudar a dar mais impulso às negociações, a abrir uma avenida para continuar o diálogo. Esse não será, necessariamente, o resultado das negociações.

As relações Brasil-México permaneceram em estado de dormência nos últimos quatro anos e foram contaminadas pelas rivalidades dos dois países. É o momento de mudar esse quadro?

Desde o primeiro dia de sua administração, o presidente Calderón tem sido claro na sua vontade de aproximar mais o México e os outros países da América Latina.

O México realmente está empenhado em uma parceria com o Brasil na área de biocombustíveis?

Esse tema foi tratado nas últimas conversas dos presidentes Lula e Calderón. Assim como o Brasil, o México tem uma economia com demanda crescente de energia, mas nossas reservas comprovadas de petróleo estão diminuindo. Dependemos durante muito tempo do petróleo e, agora, a administração Calderón está muito concentrada em buscar fontes alternativas e melhores práticas de eficiência no uso da energia. Queremos o apoio do Brasil.

A cooperação energética parece ser o novo eixo das relações bilaterais. Mas há outras áreas de interesse especial do México?

A reunião da Comissão Bilateral Brasil-México, em março, deixou claro o objetivo de dar um conteúdo amplo à agenda. Depois das conversas entre os dois presidentes, haverá a assinatura de vários acordos que exemplificam a diversidade das relações bilaterais. Entre eles, o acordo sobre assistência jurídica mútua, que é de especial relevância para nós porque tem a ver com a luta do governo mexicano contra o crime organizado. Infelizmente, Brasil e México partilham desta ameaça.

Quem é: Patrícia Espinosa

É chanceler do governo do presidente mexicano, Felipe Calderón

Nasceu na Cidade do México em 21 de outubro de 1958 e tem dois filhos

Possui bacharelado em Relações Internacionais pelo Colégio do México e pós-graduação em Direito Internacional pela Universidade Instituto de Estudos Avançados em Genebra