Título: Réus trocam pena por ajuda a ONG
Autor: Macedo, Fausto
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/07/2007, Nacional, p. A8

Após acordo com acusados dispostos a colaborar, juiz destinou R$ 5 milhões a 15 entidades beneficentes de SP.

A Justiça Federal destinou R$ 5 milhões a 15 entidades beneficentes no Estado de São Paulo. O dinheiro será repassado às ONGs por acusados em processos criminais que fizeram delação premiada. A decisão foi tomada pelo juiz Fausto Martin de Sanctis, da 6ª Vara Federal. Ele cuida exclusivamente de ações sobre crimes contra o sistema financeiro e lavagem de dinheiro.

Em um processo, dois réus comprometeram-se a pagar indenização total de R$ 2 milhões. Em outra ação, os acusados concordaram em pagar R$ 3 milhões. Os depósitos poderão ser parcelados. A Justiça não divulgou a identidade dos delatores nem detalhes das revelações que fizeram. Os valores foram definidos de acordo com o montante do dano que teriam causado ao erário por meio de operações fraudulentas.

A compensação tem previsão legal e foi definida em ajuste formal com a defesa dos réus. Fausto de Sanctis cercou de cuidados sua iniciativa. Primeiro, mandou oficiais de Justiça listarem entidades assistenciais com maior grau de dificuldades, associações filantrópicas, sem fins lucrativos. Ele usou como critério 'a localização prioritária em periferia, onde as contribuições voluntárias são mais escassas'. Também levou em conta 'pessoas abrangidas com problemas crônicos e/ou dependentes exclusivas de ajuda humanitária'. Pediu às entidades que apresentassem documentação oficial em dia. E ordenou aos oficiais que realizassem 'visitas de constatação, pesquisa rigorosa' para verificar a idoneidade e as atividades efetivas de todas as 15 entidades eleitas.

O juiz exige prestação de contas a cada 60 dias. Ele não quer receber apenas balancetes. 'Quero lastro documental, notas fiscais que comprovem como foi usado o dinheiro', decretou, em reunião na última segunda-feira com diretores e administradores que convocou. 'Deverão apresentar notas discriminadas, contrato de prestação de serviços.'

Outra imposição: os valores recebidos deverão atender às necessidades extras. Não poderão ser utilizados no pagamento de funcionários e compra de material básico. 'Nunca vimos tanto dinheiro', diz Lúcia Zannon, administradora da Casa do Cristo Redentor, que vai receber R$ 289 mil. 'É uma obra de Deus. A Justiça chegou, uma coisa tão boa', declarou Emília Tanaka, coordenadora da Fraternidade Irmã Clara, contemplada com R$ 750 mil.

A delação premiada é um meio pelo qual o réu se dispõe a colaborar com a Justiça. Em troca de redução ou até do perdão da pena, ele faz depoimento secreto que se torna decisivo para derrubar os chefes da organização sob investigação. A diminuição de pena, via colaboração judicial, foi inicialmente prevista na Lei 8.072/90 (crimes hediondos). Cabe nas ações sobre crime organizado, delitos financeiros, lavagem de dinheiro e tráfico de drogas.

O réu colaborador pode escapar da prisão, mas a lei permite ao juiz que o obrigue a pagar uma reparação como forma de compensar a sociedade pela sonegação de tributos e remessas ilegais de divisas para paraísos fiscais. Amparado nessa brecha legal e na concordância do Ministério Público Federal, Fausto de Sanctis impôs aos delatores a fixação de indenizações a serem depositadas em contas de casas assistenciais e centros de tratamento de excluídos. 'Não é sanção, é reparação pelos danos.'

O benefício pretendido pelos delatores só será concedido ao final do pagamento das parcelas da indenização e se eles efetivamente colaborarem com a Justiça. A defesa pleiteou ao juiz que sentenciasse imediatamente após o acordo, mas ele rejeitou: 'Primeiro paga, depois a sentença.'