Título: Apoio a grupos sociais no exterior irrita até aliados
Autor: Costas, Ruth
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/07/2007, Internacional, p. A15

A vitória de Evo Morales nas eleições presidenciais de 2005 na Bolívia foi interpretada pelo governo venezuelano como a prova de que apoiar grupos sociais e políticos em outros países poderia ser um bom negócio. Durante a campanha, Evo recebeu recursos e assessoria política de Caracas. Quando assumiu o poder, retribuiu garantindo o alinhamento da Bolívia com a Venezuela. Hoje, porém, os benefícios desse tipo de associação com grupos estrangeiros - a chamada 'diplomacia social' do governo Hugo Chávez - estão sendo colocados em xeque.

Primeiro, porque mesmo nos países aliados a influência do presidente venezuelano sobre tais movimentos está começando a incomodar. Na Argentina, segundo o jornal El Clarín, o líder piqueteiro Luiz D'Eliá teve de abandonar seu cargo na Secretaria de Terras em março porque desacatou uma ordem do presidente Néstor Kirchner ao apoiar a embaixada iraniana numa disputa contra a Justiça argentina - tudo por sugestão da embaixada venezuelana. No Brasil, o fato de o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) ter ecoado as críticas de Chávez e do líder cubano Fidel Castro à aliança do Brasil com os EUA para promover o etanol também desagradou muitas autoridades.

Além disso, nos último anos, Chávez se deu conta de que apoiar candidatos em eleições fora da Venezuela implica em um risco óbvio e nada desprezível: em países nos quais o político favorito do venezuelano é derrotado, o líder vitorioso já assume o cargo desconfiado em relação a Caracas. Foi o que aconteceu no Peru, onde o apoio de Chávez ao candidato derrotado Ollanta Humala desatou uma crise diplomática com direito a retirada de embaixadores após a vitória de Alan García ('ladrão' e 'fantoche dos Estados Unidos', nas palavras do venezuelano).

A disputa, que parecia estar sendo resolvida no início do ano (com o retorno dos embaixadores), voltou a se agravar na semana passada, quando o presidente do Conselho de Ministros do Peru, Jorge del Castillo, acusou os venezuelanos de 'ingerência em assuntos internos'. O motivo foi uma greve convocada por autoridades do Departamento de Puno, que recentemente firmaram um acordo com o governo venezuelano para financiar projetos sociais e desenvolver pequenas e médias empresas na região.

'Para a população venezuelana já era difícil entender por que Chávez prefere dar dinheiro a bolivianos e equatorianos em vez de usar esses recursos para tentar resolver o déficit habitacional em seu país', diz o cientista político Carlos Romero, especialista em política externa venezuelana. 'Agora, com a imagem de Chávez se deteriorando mundo afora, até setores do oficialismo estão começando a pensar que a colaboração com organizações e grupos de esquerda em outros países não está trazendo os resultados esperados.'