Título: Depois das bravatas, diplomacia de Chávez encara seus limites
Autor: Costas, Ruth
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/07/2007, Internacional, p. A15

Presidente venezuelano está descobrindo as dificuldades de conciliar radicalismo interno e ação global ampla.

Depois de meses agindo como o suposto líder de uma iminente e arrebatadora revolução socialista latino-americana, Hugo Chávez não tem muitos motivos para comemorar. O presidente venezuelano foi mal recebido, quase ignorado, em sua passagem pela Rússia, no fim de junho, e pelo Irã, há uma semana; ouviu uma resposta desdenhosa do presidente brasileiro ao ameaçar retirar seu pedido de adesão ao Mercosul, na quarta-feira; e foi acusado de ingerência pelo governo peruano.

'Chávez tem investido pesado para ampliar sua influência na América Latina e se consolidar como um ator de relevância global', disse ao Estado o cientista político venezuelano Carlos Romero, autor do livro Brincando com o Globo: a Política Externa de Hugo Chávez. 'Agora, ele está sendo obrigado a enxergar os limites de sua política externa e do projeto para exportar o movimento bolivariano.'

Uma diplomacia enérgica e engajada não é novidade na história dos governos venezuelanos. A política externa de Chávez, porém, tem algumas particularidades que a levaram ao centro do debate político da região.Uma das mais acentuadas, explicam os analistas, é justamente essa noção messiânica de que a Venezuela deve liderar a luta 'antiimperialista' e ser o motor de uma nova revolução.

'Chávez acha que pode reviver a Guerra Fria e fazer a Venezuela representar para os EUA a 'encrenca' que foi Cuba nos anos 60', diz Romero. 'Ele obteve uma prova de que isso não é possível quando o líder russo, Vladimir Putin, lhe dedicou pouquíssimo tempo em Moscou, antes de viajar para se encontrar com (George W.) Bush.'

A repercussão da visita à Rússia e ao Irã, em muitos aspectos, ficou aquém do que o Chávez esperava. 'Chávez? Que Chávez?', foi a resposta de um segurança na sede do governo iraniano ao ser questionado pelo Estado sobre o local onde o presidente Mahmud Ahmadinejad receberia o venezuelano. Chávez discutiu a compra de equipamentos militares com os russos e cooperação econômica com o Irã, mas os temas políticos foram evitados pelos anfitriões. Na Rússia, ele ainda engoliu uma desfeita dos deputados governistas, que se recusaram a recebê-lo na tribuna do Parlamento.

Coincidência ou não, uma polêmica sobre a entrada no Mercosul surgiu no momento certo para ofuscar a decepção do outro lado do mundo. Na terça-feira, Chávez deu um prazo de três meses para que os Parlamentos brasileiro e paraguaio aprovassem a adesão da Venezuela ao bloco. A resposta que ouviu do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no entanto, está longe da que poderia esperar de um governo que já lhe ajudou a enterrar a Área de Livre Comércio das Américas (Alca), impulsionada pelos EUA: 'Se não quiser ficar, não fica', afirmou Lula.

'Chávez decidiu entrar no Mercosul sem nem consultar os empresários venezuelanos porque acreditava que o bloco seria uma boa plataforma política para difundir seu projeto bolivariano', disse ao Estado José Botafogo Gonçalves, presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri). 'Agora, ele se deu conta de que um 'novo Mercosul' (sem valores capitalistas e concorrência) não seria possível e arranjou um modo de voltar atrás.'

PETRÓLEO

O peso da Venezuela nos contextos latino-americano e global deriva, em grande parte, de seus recursos petrolíferos. 'Foi essa riqueza que permitiu a Chávez comprar apoio e estender sua influência política pela América Latina', diz o historiador Alberto Garrido. O grau dessa influência, porém, varia bastante.

Na Bolívia e pequenas nações do Caribe onde os recursos venezuelanos podem fazer a diferença, o poder de Chávez é expressivo. Outros países, como a Argentina, usam recursos oferecidos pelo venezuelano (o presidente Néstor Kirchner vendeu mais de US$ 5 bilhões em títulos da dívida de seu país para Chávez), mas nunca se entusiasmaram muito com seu projeto de 'integração bolivariana'. 'Chávez é um problema - mas a verdade é que, ao menos até agora, é um problema muito maior para os venezuelanos que para o restante do mundo', diz Botafogo.

A impulsividade do venezuelano e suas interferências em assuntos internos de outros países, porém, já começaram a incomodar até aqueles que tinham uma relação amigável com Caracas. 'A diplomacia de Chávez tem a sutileza de um elefante numa loja de cristais', disse ao Estado Fernando Luis Egaña, ex-ministro da Informação e professor da Universidade Metropolitana da Venezuela. 'Como ele não admite nem aquelas pequenas divergências, corriqueiras nas relações diplomáticas entre dois países, não é de estranhar que mesmo os aliados tendam a se afastar.'

No Brasil, além das críticas ao Mercosul, a perturbação está ligada à influência de Chávez na Bolívia - e especialmente a seu papel na nacionalização do setor de gás e petróleo desse país. A relação com a Venezuela também teria estremecido, segundo os analistas, pelo fato de o Brasil ter anunciado um projeto de cooperação com os EUA para impulsionar a produção de etanol, quando Chávez não só considera os americanos seus maiores inimigos, como tem no petróleo a base dos seus planos de integração regional.

Para Egaña, o fato de Chávez ter radicalizado seu discurso e ampliado as reformas internas para centralizar poder após assumir seu terceiro mandato, em janeiro, foi o que o obrigou a inaugurar um 'novo ciclo' em sua diplomacia. 'Muitos países passaram a criticar medidas que consideram autoritárias - como o fechamento da televisão opositora RCTV - e Chávez se deu conta de que não é possível conciliar o radicalismo interno com uma atuação internacional ampla', diz o especialista.

AMEAÇAS

Egaña lembra que nos últimos meses Chávez já ameaçou tirar o país do Banco Mundial, da OEA e do FMI, além do Mercosul, e arranjou briga com vizinhos como Colômbia e Chile.

'Pouco a pouco, ele está sendo obrigado a limitar suas alianças a países que aceitam seu autoritarismo, como Cuba, Bolívia e Nicarágua - membros da Alternativa Bolivariana para as Américas ', afirma Egaña.

As relações diplomáticas com o México estão congeladas desde novembro de 2005, quando Chávez acusou o então presidente Vicente Fox de ser um 'cachorro do império', e as recentes ameaças de expropriar empresas mexicanas não ajudaram a melhorar o clima entre os dois países. Já os desentendimentos com o Peru têm como causa outra característica sui generis da atuação externa venezuelana: o fato de Chávez financiar e dar amparo ideológico para movimentos sociais e partidos de esquerda em diversos países latino-americanos (ler ao lado) - entre eles, os dirigentes do departamento peruano de Puno. O governo venezuelano chama a prática de 'diplomacia social'. O peruano prefere o termo 'ingerência em assuntos internos'.

'Nos últimos meses, os países que ainda tinham alguma dúvida se convenceram de que o autoritarismo de Chávez está passando dos limites', diz Fernando Gerbasi, ex-embaixador da Venezuela no Brasil e diretor do Centro de Estudos Estratégicos e Relações Internacionais, na Universidad Metropolitana, em Caracas. 'O resultado disso é que Chávez está começando a passar por uma das mais graves crises internacionais de seu governo.'