Título: Para agricultores, há resistência e falta de clareza na equipe econômica
Autor: Gomes, Fabíola
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/07/2007, Economia, p. B4

Eles querem produtores quebrados?¿, pergunta o deputado Abelardo Lupion (DEM-PR), da bancada ruralista.

Para o presidente da Comissão Nacional de Crédito Rural da Confederação de Agricultura e Pecuária, Carlos de Vaz Sperotto, existe uma atitude receptiva do Ministério da Agricultura na negociação das dívidas rurais, mas falta à equipe econômica uma clareza maior sobre a importância do setor para o conjunto da economia. ¿O ambiente é proativo, mas há muita resistência por parte da Fazenda. O governo precisaria considerar os resultados positivos da agricultura na economia brasileira¿, afirma Sperotto.

A posição do Ministério da Fazenda é alvo de críticas diretas da bancada ruralista, a começar pelo presidente da subcomissão de endividamento da Comissão de Agricultura, Abelardo Lupion (DEM-PR). ¿Eles querem produtores quebrados?¿, pergunta Lupion.

A crise mais recente da agricultura coincide com a desvalorização do dólar. Em 2004, quando começou o processo de valorização do real, ocorreu a primeira grande estiagem que afetou o Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e Mato Grosso do Sul. No ano seguinte, o fenômeno climático El Niño provocou nova seca, que desta vez atingiu os Estados do Sul, Centro-Oeste e Sudeste. Para agravar a situação, os preços das commodities agrícolas, que estavam em alta nos anos anteriores, sofreram forte queda no período. As culturas mais afetadas são: algodão, soja, arroz, milho, trigo, feijão e café.

HISTÓRICO

Para entender melhor o endividamento rural, André Pessoa, sócio-diretor da Agroconsult, divide-o em quatro linhas: o montante necessário para manter o fluxo financeiro do agricultor, estimado por ele em R$ 60 bilhões; as dívidas de longo prazo; e mais duas linhas divididas entre o que ele classifica como ¿colesterol bom¿, oriunda de empréstimos para investimento na expansão da capacidade produtiva, e ¿colesterol ruim¿, referente a dívidas de custeios que teriam de ser feitos com o capital de giro, mas para os quais o agricultor adquire novos financiamentos para compra de insumos, como sementes, adubos e defensivos.

A crise da agricultura brasileira teve início na década de 90, fruto dos planos econômicos que resultaram na troca da moeda e no aumento dos juros. O governo Fernando Collor de Melo (1990/92) atualizou as dívidas antigas, entre elas a do setor agrícola, que passaram a ser corrigidas pela Taxa Referencial (TR), calculada a partir de uma média das taxas de juros pagas pelos CDBs prefixados de 30 instituições financeiras, mais 9,5% de juros ao ano. ¿Os juros ficaram muito elevados e os produtores não conseguiam mais pagar suas dívidas. Por isso, eles abriram novos empréstimos para quitar dívidas anteriores realizando operações `mata-mata¿¿, explica André Pessoa.

O consultor técnico da Comissão de Agricultura da Câmara e assessor da deputada federal Jusmari Oliveira (PR-BA), Nelson Fraga, lembra que os índices de correção da dívida entre 1º de julho de 1994 e 30 de novembro de 1995 ficaram em 80%. ¿A introdução do Plano Real agravou a situação do setor por conta da paridade real/dólar, que facilitava a importação, e da forte queda dos preços agrícolas.¿

O resultado da nova taxa de juros foi o descasamento entre a correção das dívidas e os preços mínimos de referência do arroz, feijão, milho, soja, etc. Com o agravamento da crise, já no mandato de Fernando Henrique (1995-2002), o governo autorizou a securitização da dívida para devedores de até R$ 200 mil com juros de 3% ao ano e vencimento entre 7 e 10 anos.

Em 1998, foi criado o Programa de Revitalização das Cooperativas de Produção Agropecuária (Recoop), quando foram liberados R$ 2,1 bilhões do Tesouro Nacional com encargos de 4% ao ano e variação com base no IGP-DI, com 15 anos de prazo. No início de 2000, em nova renegociação, foi criado o Programa Nacional de Saneamento de Ativos (Pesa), que dessa vez incluía agricultores com saldo devedor acima de R$ 200 mil e prazo de pagamento de 20 anos. Em 2001, os produtores beneficiados pela securitização tiveram um alongamento da dívida por mais 23 anos. No ano seguinte, o governo renegociou as parcelas não pagas do Pesa por mais 13 anos.

RENDA DO PRODUTOR

Com a expansão, o governo passou a incentivar o agricultor a melhorar a capacidade de produção. Com isso, estimulados pelo governo, os produtores contrataram linhas de financiamento para investimentos em máquinas e implementos agrícolas, silos, sistemas de irrigação, etc.

Os principais programas, geridos pelo BNDES, são o Moderfrota e Finame Agrícola Especial, ambos criados no fim da década de 90. ¿O problema é que o governo estimulou o investimento, mas sem cuidar da renda do produtor, que está sujeita a intempéries, pragas e risco de mercado¿, afirma Fraga.

Após a renegociação das dívidas, a agricultura ampliou a produção e as exportações. Na safra 2000/01, o Brasil produziu 100 milhões de toneladas e exportou US$ 23,846 bilhões no fim daquele ano. Em três anos, a produção atingiu 114 milhões de toneladas e as vendas externas, puxadas pelo boom da soja, somaram US$ 49,068 bilhões. A partir daí, a desvalorização do dólar e os problemas climáticos reduziram drasticamente a capacidade de pagamento dos produtores, desembocando no atual impasse.