Título: "Fator china vai ser mais um choque na inflação"
Autor: Dantas, Fernando
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/07/2007, Economia, p. B6

Especialista em mercado asiático prevê mudanças no quadro inflacionário mundial e alta ainda maior no preço das commodities.

O economista chinês Dong Tao, do Credit Suisse em Hong Kong, deixa claro que a economia do seu país está mudando em grande velocidade. A demanda por trabalho já começa a elevar os salários, os preços da comida e dos imóveis estão disparando, e a China já não é uma força deflacionária mundial. Para ele, ¿o fator China provavelmente representará mais um choque para o quadro global da inflação nos próximos meses¿. Esta é uma visão pessoal do economista, e não do Credit Suisse.

Segundo Tao, a China vai aumentar suas importações de cereais, o que elevará ainda mais os preços das commodities agrícolas que o Brasil exporta. Na área ambiental, ele prevê que a China continue como uma campeã da poluição. A seguir, a entrevista concedida na sexta-feira, no Copacabana Palace, no Rio, em meio a uma maratona de contatos com investidores e clientes do Credit Suisse.

Qual a sua visão das perspectivas econômicas da China?

A economia chinesa em geral está indo bastante bem, embora haja alguns sinais de superaquecimento. Nos próximos anos, ela provavelmente manterá um intervalo de crescimento entre 9% e 11%. Um tema explosivo é o superávit comercial chinês. O setor exportador é extremamente competitivo, e continua a penetrar em novos mercados. A China precisa de um crescimento das importações que seja o dobro do das exportações para que o superávit diminua. Não acho que isso vá acontecer.

A gigantesca acumulação de reservas pela China não pode se tornar um problema?

O retorno médio das reservas chinesas no ano passado foi de menos de 4%. Se a China puder duplicar o retorno para 8%, o dinheiro extra obtido em cima de US$ 1,3 trilhão em reservas será equivalente a uma vez e meia o orçamento nacional de educação chinês. Mas a China levará tempo para reduzir as aplicações em papéis do Tesouro dos EUA, que rendem pouco. Se o país sair vendendo os títulos do Tesouro, outros bancos centrais da Ásia farão o mesmo, países com petrodólares também, e isso vai elevar os juros e as taxas das hipotecas americanas. Isso prejudicaria de verdade a economia americana, e prejudicaria as exportações chinesas. Além disso, haveria o risco de uma guerra econômica com os Estados Unidos. Eu não acho que Pequim queira esse cenário.

A China ainda é uma força deflacionária global?

Há um índice de preços de importações chinesas nos Estados Unidos, que mostra que em maio, pela primeira vez desde que existe essa série, a China exportou inflação para os americanos. Isso é muito importante porque a China tem sido a causa básica da desvinculação global entre a inflação ao produtor e ao consumidor. Os preços do petróleo e das commodities subiram, mas o índice global de preços ao consumidor não se moveu. Isso acontece porque a produção dos países mudou-se para a China, e então quem tem de pagar por aquela alta são os exportadores chineses e não o bolso dos consumidores mundo afora. Mas isso provavelmente está deixando de acontecer. O aumento do preço da comida na China é fenomenal, os aumentos nos aluguéis são fenomenais, os salários estão subindo. E isso terá implicações globais. O fator China provavelmente representará mais um choque para o quadro global da inflação nos próximos meses. A alta das taxas de juros pode ser maior do que a que os mercados prevêem.

A China continua tendo uma oferta quase ilimitada de trabalho?

Ainda há muita oferta de trabalho, mas, para que ela seja usada agora, os salários têm de subir. Os salários no setor de manufaturas tiveram taxas de crescimento de dois dígitos nos últimos três anos, e neste ano elas parecem estar acelerando. Além disso, a China acaba de introduzir uma nova lei trabalhista. A China não tinha nenhum tipo de proteção trabalhista, o que é espantoso para um país socialista.

Como o sr. vê as pressões americanas contra o superávit comercial chinês?

Eu espero muito barulho do Congresso americano. Prevejo, no entanto, que apenas pequenas sanções sejam aprovadas, e que o governo do presidente Bush prossiga em sua estratégia de ladrar muito, mas não morder. Se realmente houvesse grandes sanções, não seriam apenas os exportadores chineses os prejudicados, mas também os consumidores americanos, que veriam aumentos em diversos produtos. Uma parcela de 70% das exportações chinesas são iniciadas pelas multinacionais americanas. Elas são as que mais estão fazendo dinheiro. Uma boneca Barbie feita na China tem um custo de produção de US$ 1,50, e os produtores ganham US$ 0,50. Mas o preço de venda nos Estados Unidos é de US$ 19,99.

Quais são os principais riscos para a economia chinesa?

O maior risco nos próximos anos é o mercado de ações. Eu não acho que seja uma bolha, mas a alta valorização traz o risco de que, caso o mercado tenha uma queda drástica, o consumo possa ser prejudicado, o crescimento afetado e os bancos tenham problemas de crédito. O segundo maior risco é a relação com Taiwan, que tem eleições em 2008. Será uma batalha muito quente, e o atual partido no poder provavelmente usará uma agenda de independência para ganhar as eleições. Se isso acontecer, há um risco de aumento da tensão e os mercados podem começar a se preocupar com uma possível guerra através do estreito de Taiwan. Do médio prazo em diante, nos próximos dois a três anos, eu acho que o maior risco é o setor bancário chinês.

Como o sr. vê as relações entre o Brasil e a China?

Eu estou confiante de que a China terá um papel cada vez mais importante para o Brasil. A China vai aumentar a importação de grãos, o que é benéfico para o Brasil, mas eu acho que não se limita a isso: o país asiático vai aumentar também os investimentos diretos no Brasil. Não há no mundo duas economias com tanta complementaridade quanto a brasileira e a chinesa.

Qual a sua opinião sobre a questão ambiental na China?

Eu sou natural da China, mas, toda vez que eu visito cidades chinesas, eu realmente me sinto inconfortável com a poluição atmosférica. Nove de cada dez cidades com ar poluído do mundo estão na China. Isso é um efeito colateral infeliz da industrialização. As coisas poderiam ter sido evitadas, mas a estrutura política da China leva os governos locais a se preocuparem mais com o PIB do que com a poluição. Sou otimista em relação às perspectivas econômicas da China, mas pessimista quanto a qualquer solução rápida da poluição chinesa. Os custos serão altos em termos de mortes ligadas a questões ambientais, em termos de custos médicos no futuro, mas eu não vejo uma solução imediata para isso.

Leia aqui a íntegra da entrevista.