Título: Lula esquece passado e vê ameaça à democracia em crítica ao governo
Autor: Marchi, Carlos
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/08/2007, Nacional, p. A10

Irritação do presidente com protestos contrasta com tom duríssimo que adotou em 24 anos na oposição

A democracia está em xeque, acusou na semana passada o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao irritar-se com apupos de pequenos grupos em Cuiabá e Campo Grande. 'Com a democracia não se brinca', ameaçou Lula, 'porque o que vem depois dela é muito pior'. A reação não combina com o tom duríssimo com que, durante 24 anos, ele vergastou governos e personagens a quem fazia uma oposição implacável.

Sob o comando de Lula, o PT apresentou incontáveis pedidos de impeachment contra o então presidente Fernando Henrique Cardoso. Não há registro de que um chefe da oposição o tenha xingado, mas, na oposição, Lula chamou FHC de 'ladrão' e 'corrupto'; José Sarney, de 'grileiro'; e Itamar Franco, de 'imbecil'. Numa das acusações a FHC, bradou: 'Se eles (FHC e seus aliados) tivessem uma escola para ensinar a governar, eu não deixaria meus filhos entrar (sic), porque o máximo que meu filho ia aprender era roubar, e não governar.'

Em dezembro de 1998, dois meses após a eleição que FHC venceu no primeiro turno, uma corrente trotskista do PT lançou o bordão 'Fora FHC'. O partido não a aprovou e, em abril, três meses após a posse, lançou o mote 'Basta de FHC' para substituí-lo, mas o 'Fora FHC' já ganhara dimensão nacional. Em maio de 1999, o hoje ministro da Justiça, Tarso Genro, escreveu um artigo defendendo o 'Fora FHC'.

PEDRAS E PICARETA

'O PT de Lula sempre foi muito mais agressivo que a oposição de agora', constata a cientista política Maria Celina d'Araújo, do CPDOC/FGV. No início de 1986, o PT organizou manifestações de protesto no campo. O então presidente José Sarney afirmou: 'Não podendo alcançar o poder pelo voto, o PT recorre à luta armada.' Lula respondeu muitos tons acima: 'Sarney não vai fazer reforma agrária coisa nenhuma porque ele é grileiro no Maranhão.' Em maio de 1985 militantes da CUT atacaram com pedras e uma picareta, no Rio, um ônibus que levava a comitiva de Sarney. O presidente ficou coberto de cacos de vidro.

Só nos primeiros seis meses de 1998, um ano eleitoral, o PT fez cinco representações pedindo o impeachment de FHC, ao contrário da atual oposição, que evitou chegar ao impeachment no escândalo do mensalão. No Congresso, o PT passou os oito anos de FHC cobrando CPIs para tudo. Em setembro de 2001, Lula denunciou que o acordo do governo FHC com o FMI incluía cláusulas secretas para privatizar o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal. Não houve registro de que o governo FHC pretendesse privatizar o BB e a CEF, mas o governo Lula já não vê pecados em privatizar: há alguns dias anunciou a privatização de algumas das principais rodovias brasileiras.

A ELEIÇÃO ACABOU

'Diga a eles que a eleição acabou em outubro', afirmou Lula, terça-feira passada, em Campo Grande (MS), mandando um recado às pessoas que o vaiaram. Em 8 de julho de 1999, o PT decidiu promover passeatas para pressionar a Câmara a iniciar um processo de impeachment contra FHC, explicou Lula à época, sem se dar conta de que a eleição acabara nove meses antes e ele tinha sido derrotado.

Na comemoração do 1º de Maio de 1997, em São Bernardo, Lula acusou FHC de estar 'metido na maracutaia dos precatórios, do Sivam, do Proer e da compra de deputados para a reeleição'. Em seguida, a CUT-SP comandou massiva vaia a FHC, à qual Lula assistiu com um sorriso maroto, sem achar - como acha hoje - que vaias ao presidente podem ameaçar a democracia.