Título: Em Guamaré, o dinheiro sumiu
Autor: Pamplona, Nicola
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/08/2007, Economia, p. B7

Cidade potiguar recebeu R$ 22 milhões da Petrobrás em 2006, mas salário dos servidores continua atrasado

Em Guamaré, no semi-árido potiguar, quase 40% dos adultos não sabem ler e escrever. E, embora muitos desconheçam o significado da palavra royalties, ninguém duvida de que petróleo traz riqueza e, conseqüentemente, uma melhor qualidade de vida.

É por isso que os cerca de 10 mil habitantes da cidade, a 170 km de distância de Natal, insistem em descobrir onde está sendo aplicado o dinheiro que jorra do pólo industrial da Petrobrás e é repassado para os cofres da prefeitura.

Só no ano passado, foram mais de R$ 22 milhões. É uma quantia que subiu vertiginosamente ao longo da década: entre 1995 e 2000, por exemplo, houve um aumento de 1.402% no valor recebido pelo município.

Além da população, tem mais gente querendo descobrir para onde vai tanto dinheiro. Em 2003, diante de denúncias, o Ministério Público solicitou ao Tribunal de Contas do Estado uma inspeção especial nos 15 municípios produtores de petróleo, para checar eventuais irregularidades no uso dos royalties.

Na época, Guamaré era administrada por João Pedro Filho, que acabou renunciando ao cargo após uma série de suspeitas sobre o uso indevido de recursos federais e provenientes da indústria petrolífera. Na cidade, comenta-se que ele usou os royalties até mesmo para construir um muro de mais de 1 km de extensão, que separa uma de suas propriedades do distrito de Baixa do Meio.

¿Corrupção aqui é algo cultural¿, diz, indignado, o comerciante Pedro Cavalcante Dantas, 44 anos. Dono de uma loja de autopeças, ele diz que, apesar do dinheiro do petróleo, o pagamento do funcionalismo está atrasado e a cidade, ¿parada no tempo¿.

Proprietário de um restaurante, Clélio Magno de Araújo, de 25 anos, também reclama da estagnação e da dificuldade de se conseguir emprego, embora seja necessária muita mão-de-obra para fazer o Pólo Industrial de Guamaré andar. Segundo ele, a indústria do petróleo pouco emprega a população da cidade, por falta de qualificação.

Apesar de Guamaré ter conseguido melhorar seus indicadores sociais, a evolução está bem abaixo da desejada, considerando a quantidade de royalties que o município vem recebendo. A conclusão é do economista Mário Jesiel de Oliveira Alexandre, integrante das Bases de Pesquisas sobre Participações Governamentais da Universidade Potiguar. Ele realizou um estudo em 15 cidades do Rio Grande do Norte e descobriu que, na última década, apesar de terem saído de uma situação de baixo para médio desenvolvimento, não alcançaram o nível esperado.

¿Os indicadores socioeconômicos, infelizmente, não revelam grandes avanços¿, atesta. Em Guamaré, apenas 0,67% dos domicílios têm saneamento básico, e há pessoas ainda morando em casas de tábuas, sem água encanada e coleta de lixo, como Petrocina da Silva, de 58 anos.

No teto que divide com dois filhos e um neto, a renda domiciliar per capita é inferior a R$ 75,50. Ela personifica, portanto, a pobreza que atinge 62% da população da cidade, segundo dados do Atlas do Desenvolvimento Humano, de 2000.