Título: Amorim ainda crê em Doha, mas não vai entregar armas
Autor: Marin, Denise Chrispim
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/08/2007, Economia, p. B12

Para Amorim, fracasso em Potsdam serviu para mostrar que interesses pelos quais o Brasil briga não são só dele

Os recentes percalços da Rodada Doha não abalaram o reconhecido otimismo do ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim. Na semana passada, o chanceler declarou-se confiante na conclusão de um acordo sobre agricultura e indústria até outubro. Mas deixou claro que não abaixará suas armas. Em entrevista ao Estado, Amorim disparou contra os métodos dos principais atores da Rodada e enfatizou que o Brasil tem margem para ampliar sua oferta de abertura do setor industrial. Essa concessão, entretanto, dependerá de ganhos reais na área agrícola e de um acordo final equilibrado.

Em seu gabinete, o chanceler indicou que ainda não digeriu a armadilha preparada pelos americanos e europeus em Potsdam (Alemanha), no final de junho, quando se deu o último encontro do G-4.

Formado por Estados Unidos, União Européia, Brasil e Índia, esse grupo tentava alcançar um pré-acordo da Rodada, que facilitasse o acerto final entre os 150 membros da Organização Mundial do Comércio. Para Amorim, a frustração dessa tentativa trouxe pelo menos dois dados positivos. Primeiro, mostrou que o Brasil não defende sozinho que o capítulo agrícola é a razão de ser da Rodada nem resiste sozinho a uma abertura industrial desequilibrada em relação aos ganhos em agricultura. Em sua avaliação, o País está devidamente acompanhado por boa parte do mundo em desenvolvimento. Segundo, tornou evidente que a barganha na área agrícola está restrita às concessões, entre si, dos dois pesos-pesados da OMC, Estados Unidos e União Européia.

No início de setembro os presidentes do grupo de negociação de agricultura na OMC, Crawford Falconer, e o de indústria/serviços, Donald Stephenson, devem apresentar novas versões das propostas de suas áreas. A seguir, os principais trechos da entrevista.

A Rodada Doha fecha ou não?

Eu tenho a convicção que essa Rodada vai ser concluída. O número de temas em aberto é pequeno, embora sejam importantes. Há uma dificuldade física, que é terminar as negociações de modalidades agrícolas, industriais e de serviços até outubro, para que esse acordo surta efeito sobre a renovação da Autoridade de Promoção Comercial pelo Congresso americano. Isso exigirá mais engajamento de alguns dos atores principais.

Os temas pendentes são politicamente complicados. O que mudou para o sr. se mostrar ainda mais otimista?

O fato de a negociação ter saído do ambiente do G-4 e passado para o ambiente multilateral foi importante para alguns atores perceberem as complexidades dos temas pendentes. No G-4, o Brasil defendia a posição de muitos países, mas era percebido como um país que agia isoladamente, apenas com a Índia a seu lado, e deixou uma impressão de intransigência. Agora, tornou-se claro que a dificuldade em alguns temas é de muitos países. Isso terá de ser levado em conta pelos mediadores (Falconer e Stephenson) e pelo diretor-geral da OMC (Pascal Lamy). Ao manter-se firme em suas posições e engajado na negociação e ao exercer certa liderança, o Brasil contribuiu para uma certa moderação.

Em que sentido?

Nenhum dos grupos de países em desenvolvimento, por exemplo, recusou os documentos sobre agricultura e indústria/serviços apresentados pelos mediadores dessas áreas.Houve críticas, mas não rechaço. Há consciência de que o que se juntou em acertos, até agora, é muito importante para se jogar fora.

Mas os mesmos pontos cruciais continuam em aberto: subsídios domésticos americanos, acesso ao mercado agrícola europeu e abertura de mercado industrial dos países em desenvolvimento. Na semana passada, Lamy ficou bastante irritado com a recusa do Brasil em aceitar o corte de 60% nas tarifas industriais.

Fora um pequeno grupinho de países em desenvolvimento, que já têm acordos de livre comércio com todo o mundo, a maioria achou que o documento do mediador da área industrial não estava equilibrado. Da Jamaica ao Brasil e ao Quênia, todos concordamos e deixamos claro que é a agricultura quem determina o grau de ambição da Rodada. Ninguém ingressou nessa Rodada por causa da abertura industrial.As compensações aos países desenvolvidos, sobretudo da União Européia, não podem ser maiores que suas concessões na área agrícola nem podem ser parte principal da negociação.

No caso industrial, o Brasil continua reticente a um corte maior que 50% nas tarifas de importação? Pode se aproximar de 60%, como sugeriu o mediador?

Isso se tornou irrelevante. Em Potsdam, chegamos onde podíamos. Agora, está no plano multilateral. Tudo vai depender do resultado das consultas dos mediadores em setembro. Nunca dissemos que o corte de 50% era um ponto final.

O ¿pequeno grupinho de países¿ apresentou proposta mais ousada de abertura industrial. Vários deles são sócios do G-20. Isso pode chamuscar o G-20?

O G-20 tem uma bandeira agrícola. Mas não tem um processo de definição de táticas. A visão tática desses países é diferente da nossa.

Na área industrial, o Brasil deve se coordenar mais com a Argentina?

Não vejo grandes contradições entre os interesses reais dos dois países. Mas, às vezes, as percepções podem ser diferentes. Vamos continuar conversando.