Título: 'Época de abertura unilateral já passou'
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/08/2007, Economia, p. B13

O chanceler Celso Amorim está confiante de que até outubro um acordo no âmbito da Organização Mundial do Comércio seja alcançado, apesar do fracasso do encontro de Potsdam, na Alemanha, em junho entre os países do G-4 (Estados Unidos, União Européia, Brasil e Índia).

O que falhou em Potsdam?

Esse é um fato histórico interessante, mas superado. Na reunião, a conversa não avançou em nenhum dos temas agrícolas. Quando chegamos nos temas industriais, a pressão dos Estados Unidos e da União Européia foi despejada sobre nós. Eles esperavam que o Brasil e a Índia, ao aceitarem uma abertura maior na área industrial, funcionassem como exemplo aos demais países em desenvolvimento. No final, criou-se um mito que Brasil e Índia saíram das negociações. Na verdade, foram eles que nos disseram que não adiantava mais continuar. Respondemos que, se assim era, não ficaríamos ali para representar o papel de bobo.

O fato de representantes da Fiesp terem comentado a negociadores europeus que a indústria brasileira estaria pronta para uma abertura maior que a oferta que o sr. defendia atrapalhou o processo?

Quando você fala na Fiesp você se refere aos industriais? Eu falo sempre com a Fiesp. Nós não vamos deixar que o Brasil tenha o seu parque industrial varrido por um choque de liberalização sem obter o que quer em agricultura. A época das aberturas unilaterais já passou.

O foco de resistência dos europeus parecia o acesso ao mercado agrícola. Isso quer dizer que os subsídios tampouco estão resolvidos?

A recompensa para os europeus reduzirem os subsídios agrícolas será o corte dos subsídios americanos. Estamos em um filme de cowboy, com um personagem atirando no outro. A compensação por não dar tiro é não receber tiro. A gente, provavelmente, não vai conseguir fechar a Rodada ideal. Mas estamos mais próximos de chegar a uma Rodada do Desenvolvimento. O período pós-Potsdam foi educativo. Espero que tenha sido também para o diretor-geral da OMC (Pascal Lamy).

É possível aos EUA reduzirem os subsídios como quer o G-20?

Os americanos ponderam que o corte de subsídios dependerá da abertura de mercados agrícolas de países em desenvolvimento, como a Índia, que é aliada do Brasil no G-20. Eu tenho confiança que é possível chegar a um número próximo ao que o G-20 havia dito (US$ 12 bilhões ao ano). Mas, se eu tivesse a certeza, talvez a negociação estivesse fechada.

Tornou-se freqüente a romaria de industriais para reclamar do câmbio e pedir proteção comercial. Essa situação diminui a margem de manobra dos negociadores?

A valorização do câmbio é uma questão conjuntural. O Brasil não pode deixar de participar de uma Rodada que trará muito benefício à agricultura brasileira e, indiretamente, à indústria em função de uma questão conjuntural.

Seria arriscado organizar um encontro de líderes mundiais para superar as pendências da Rodada, como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem insistido tanto? O Brasil pode tomar essa iniciativa?

Esse encontro tem de vir no momento certo. A discussão provocada pelo presidente Lula nas reuniões do G-8 ajudaram a dar maior visibilidade política aos temas da Rodada. Nós somos bastante ousados, não temos medo de desgaste. Mas há sempre um ônus para quem convoca a reunião. Por outro lado, um líder de um país em desenvolvimento talvez tenha mais legitimidade para chamar essa reunião.