Título: Eles são brasileiros e sócios de múltis
Autor: Silva, Cleide
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/08/2007, Economia, p. B14
Três empresários conseguiram realizar o sonho de produzir carros no País, mesmo que não sejam nacionais
Três empresários brasileiros realizam o sonho de serem donos de montadoras de veículos, negócio que no mundo todo está praticamente restrito a grandes multinacionais. Nenhum deles seguiu os passos de Amaral Gurgel, o engenheiro que construiu carros nacionais na década de 70, projeto que mais tarde mostrou-se inviável. Os novos donos de fábricas decidiram produzir veículos das marcas já consolidadas Mitsubishi, Hyundai e Mahindra. Essas companhias, por sua vez, entram no mercado brasileiro com custo zero, pois todos os recursos saem dos bolsos dos investidores nacionais.
Ainda há um quarto brasileiro na lista, o advogado Ricardo Machado, que tem planos de iniciar a produção do minicarro da Obvio! no fim de 2008, numa fábrica no Rio de Janeiro. Seu projeto é distinto dos demais, pois ele desenvolveu um carro próprio, inédito. Os dois modelos da marca, 828 e 012, serão somente para exportação.
Os três executivos que já têm fábricas montadas vieram do ramo automotivo. Dois deles, Eduardo de Souza Ramos, da Mitsubishi, e Carlos Alberto Oliveira Andrade, do Grupo Caoa/Hyundai, são proprietários de revendas de veículos. A família de Eduardo de Castro Filho, do grupo Bramont/Mahindra, é dona de loja de autopeças há mais de 50 anos.
Todos começaram no ramo com linha de montagem pequena, de produtos considerados de nicho e volumes de produção modestos. Mas têm planos ambiciosos de ampliação, que incluem fábricas maiores, abertura de capital e venda de ações, inclusive para as multinacionais que hoje fornecem a tecnologia e peças para a montagem dos veículos.
Andrade, que tem as inicias do nome formando a razão social de sua empresa, gastou R$ 500 milhões para construir a fábrica em Anápolis (GO), inaugurada em abril para produzir o caminhão de pequeno porte HR. Este ano serão gastos mais R$ 300 milhões para a produção, em 2008, do utilitário esportivo Tucson e um terceiro produto, um sedã médio ainda em desenvolvimento na Coréia.
¿Até 2012, no máximo, teremos cinco modelos, produção prevista de 100 mil veículos por ano e um total de R$ 1,2 bilhão em investimentos¿, informa Andrade. Tudo com recursos próprios, diz. Para formar caixa, ele já vendeu sete concessionárias de carros e um avião. Até lá, deve se desfazer das 10 revendas Ford e das 14 Hyundai que ainda tem e lançar ações da Caoa na Bolsa.
GRANDE REALIZAÇÃO
A fábrica da Hyundai foi a terceira tentativa de Andrade de ser um construtor de automóveis. A primeira foi com a francesa Renault, que ele representava no país como importador e com quem briga na Justiça até hoje por ter sido deixado de lado quando a empresa decidiu construir sozinha sua fábrica no Paraná. A outra foi com a japonesa Subaru, que acabou desistindo de ter projeto no País.
Ele quase perdeu o projeto da Hyundai também. Em 2001, quando já era importador da marca e negociava a produção local, foi chamado à Coréia e informado de que o grupo tinha optado por uma parceria com a Mercedes-Benz, para produzir um carro compacto, o Getz, em Juiz de Fora (MG). Como o projeto não foi adiante, Andrade ficou com a parceria.
¿Ter uma montadora é a grande realização de qualquer concessionário, mas é muito difícil de se conseguir. Essa fábrica é uma oportunidade única¿, afirma Andrade, paraibano de 63 anos que nasceu em família humilde, formou-se em medicina e, em 1979, comprou uma revenda Ford falida em Campina Grande (PB).
Andrade já sonhou em produzir um carro nacional, mas vê essa possibilidade cada vez mais distante. ¿É um projeto muito ambicioso e poderia me acabar, pois não há estrutura no País¿, diz. O que ele quer agora é produzir veículos Hyundai com 100% de peças brasileiras.
O dono da Caoa chegou a ser sondado por Gurgel para um negócio conjunto e foi visitar a fábrica do empresário em Rio Claro (SP). ¿Era um barracão super artesanal, não tinha agregados tecnológicos; o sonho dele não podia dar certo.¿ Ele ressalta que a Hyundai mantém na Coréia 8 mil engenheiros só na área de desenvolvimento e que o Brasil terá acesso aos novos produtos da marca.
Andrade tem contrato de importação com a Hyundai por 30 anos. O grupo coreano, porém, estuda sua entrada na região, via México ou Brasil. Para entrar no País, o grupo precisa saldar uma dívida que hoje deve estar perto de R$ 1 bilhão deixada por sua ex-subsidiária Asia Motors nos anos 90.