Título: Crise e transição de lideranças políticas
Autor: Fornazieri, Aldo
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/08/2007, Espaço Aberto, p. A2

Em termos cronológicos, mesmo que isso seja arbitrário, é possível dividir as atuais lideranças políticas, que adquiriram alguma projeção nacional, em três agrupamentos: os que têm acima de 60 anos, os que têm entre 40 e 60 anos e os que têm menos de 40 anos. Dentre os políticos que têm acima de 60 anos, é possível estabelecer uma subdivisão em dois grupos: os que têm entre 60 e 70 anos e os que têm acima de 70 anos. É legítimo supor que os que têm acima de 70 anos começam a viver um momento de ocaso político e de fim de carreira. É que a renovação e a emergência de novas lideranças tendem a deslocar esses políticos para fora da vida política. Entre os políticos mais conhecidos e na ativa, situam-se dentro deste patamar os senadores José Sarney e Pedro Simon.

Na outra metade da subdivisão se encontram nomes como 1) Michel Temer, Marco Maciel, Jarbas Vasconcelos, Eduardo Suplicy, José Serra e 2) Jader Barbalho, Marta Suplicy, José Genoino, Dilma Rousseff, César Maia, Nelson Jobim, Cristovam Buarque, Tarso Genro e o presidente Lula. A primeira parte desta subdivisão se situa no patamar entre 65 e 70 anos e a segunda parte, entre 60 e 65 anos. Pode-se dizer que estes políticos estão no momento de apogeu de suas carreiras e que ainda tendem a permanecer alguns anos na vida política.

Os políticos que têm acima de 60 anos agregam duas características paradigmáticas em sua formação: 1) Formaram-se no contexto do embate ideológico da guerra fria, definido pelas polarizações esquerda/direita, capitalismo/socialismo(comunismo); 2) adquiriram relevância nacional no âmbito da existência do regime militar implantado em 1964 e no processo de redemocratização.

O grupo de políticos que se situa entre os 40 e 60 anos também se formou sob o impacto das mesmas características paradigmáticas do primeiro grupo. Aqueles que têm um pouco mais de 40 anos sofreram estes impactos de forma mais tênue. Os que têm 40 anos agora tinham cerca de 18 anos em 1985, ano que marca a transição do regime militar para a democracia, e tinham 22 anos em 1989, ano que marca a queda do Muro de Berlin e o fim da guerra fria. Neste grupo de políticos podem ser mencionados, entre outros, Tasso Jereissati, Arlindo Chinaglia, Renan Calheiros, Aécio Neves, Sérgio Cabral, Jaques Wagner, Ciro Gomes, Marcelo Déda, Fernando Pimentel, Aloizio Mercadante, José Eduardo Martins Cardozo, Gustavo Fruet, Geraldo Alckmin e Heloísa Helena.

A nova geração de políticos - com menos de 40 anos - tem poucos nomes de expressão nacional. A rigor, apenas dois nomes tiveram alguma relevância nos últimos anos: ACM Neto e Rodrigo Maia. Há, também, nomes como o do ex-presidente da UNE Lindberg Farias, hoje prefeito de Nova Iguaçu (RJ), e de Luciana Genro, mas que ainda precisam consolidar sua carreira políticas no plano nacional.

Esta nova geração praticamente já não se formou nos parâmetros da luta ideológica da guerra fria e no contexto do regime militar. Os que se situam no espectro de esquerda tiveram na emergência das lutas sociais e sindicais as diretrizes de sua formação. Os que se situam no espectro de centro-direita foram marcados pelo ideário liberal da abertura comercial.

Mas o que chama a atenção neste rol todo de lideranças políticas, abrangendo idades que vão dos 20 aos 80 anos, é que poucos podem ser considerados líderes efetivamente nacionais, singularizados pelo comando e pela chefia de partidos e de setores sociais. Não mais do que quatro nomes podem ser destacados: o presidente Lula - que ocupa uma posição singular e de insulamento em relação aos demais políticos -, o governador José Serra, o ex-governador e hoje deputado federal Ciro Gomes e o governador mineiro Aécio Neves. José Serra e Ciro Gomes são mais conhecidos porque já concorreram a eleições presidenciais. Geraldo Alckmin, oponente de Lula nas últimas eleições, ao fazer menos votos no segundo turno do que no primeiro, descapitalizou sua projeção nacional, deixando dúvidas sobre sua capacidade de liderança.

Este quadro todo revela uma grave crise de liderança política nacional, que é também uma crise de paradigmas políticos. Os políticos que ocupam uma posição de destaque nas instituições e nos partidos nacionais se formaram sob paradigmas que, praticamente, têm pouca relevância e incidência na vida política nacional e internacional deste início de século 21.

Os políticos brasileiros assimilaram tardiamente as implicações sociais, econômicas e políticas determinadas pela globalização e pelos impactos estratégicos das novas tecnologias. Não compreenderam a natureza das mudanças que estavam em curso e não souberam aparelhar o Brasil, em termos de definições estratégicas e instituições, para as exigências dos novos tempos.

O que preocupa é que a geração intermediária de lideranças não parece apta a oferecer saídas reformadoras significativamente diferentes das diretrizes e dos costumes implementados pela geração que está no apogeu agora. A geração mais nova de lideranças, ao menos até agora, não ofereceu quase nada em termos de renovação de métodos, de paradigmas e de esperanças.

Lideranças políticas significativas só se formam quando há grandes causas nacionais a defender. As novas lideranças parecem emergir de gerações sem causa alguma. Na medida em que existe uma baixa moralidade pública e baixa excelência de leis e instituições, acompanhadas por uma sociedade que apresenta significativos graus de anomia e de costumes pouco virtuosos, ao que parece, em termos de lideranças virtuosas e capazes, o futuro do Brasil depende da sorte.

Aldo Fornazieri é diretor Acadêmico da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fespsp)