Título: Após um ano, País cumpre sentença
Autor: Iwasso, Simone
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/08/2007, Vida &, p. A13

Brasil foi condenado pela Corte da OEA a indenizar família de paciente morto em clínica conveniada ao SUS.

Três dias antes de vencer o prazo estabelecido pela sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), que condenou o Brasil no ano passado, o governo autorizou o pagamento de indenização à família de Damião Ximenes Lopes, portador de transtorno mental morto em uma clínica conveniada ao Sistema Único de Saúde (SUS) em Sobral, no Ceará, em 1999.

O caso fez com que o Brasil fosse condenado pela primeira vez pela corte. A decisão saiu no dia 4 de julho de 2006 e o País foi notificado em 17 de agosto do mesmo ano. Mas somente ontem foi publicado no Diário Oficial decreto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva autorizando, via Secretaria Especial de Direitos Humanos, o pagamento de cerca de R$ 250 mil aos familiares - o valor foi estipulado pela OEA. ¿Estávamos correndo com os procedimentos internos para conseguir cumprir com a indenização a tempo¿, explica Cristina Timponi, assessora internacional da secretaria.

A condenação prevê também atenção especial ao processo penal que corre na Justiça do Ceará há oito anos, com garantia de que os responsáveis sejam julgados e punidos. Mas o processo está parado. ¿Agora que conseguimos liberar o dinheiro, vamos correr para tentar levar o caso ao Conselho Nacional de Justiça, por meio de um acordo que assinamos para casos como esses¿, afirma Cristina. De acordo com ela, essa foi a maneira encontrada para tentar agilizar o julgamento do processo.

Para a advogada Renata Lira, da Justiça Global, organização não-governamental que defendeu a família de Ximenes Lopes, caso o Brasil não consiga cumprir a sentença toda, ou seja, levar o processo até o fim e punir os responsáveis, poderá ser intimado pela corte novamente. ¿Se nada acontecer, vamos denunciar e o governo será intimado a prestar explicações¿, diz Cristina.

Por enquanto, o governo terá de enviar um relatório à organização mostrando o que foi e o que deverá ser feito nos próximos meses. Deverá incluir ainda um relato das mudanças promovidas pela reforma psiquiátrica, que tem alterado o modelo de assistência à saúde mental no Brasil, substituindo os grandes hospitais por unidades ambulatoriais de pequeno porte.

A corte é uma instituição autônoma criada para aplicar a Convenção Americana de Direitos Humanos, conjunto de normas do qual o Brasil é signatário, ficando sujeito às determinações impostas e sendo obrigado a cumpri-las.

HISTÓRICO

Damião Ximenes Lopes tinha 30 anos quando foi internado por sua mãe, Albertina Lopes, na Clínica de Repouso Guararapes, em Sobral.

Ele havia tido um ¿problema nervoso¿, segundo o processo. Não comia nem dormia, mas não tinha ferimentos. Três dias depois, quando sua mãe foi visitá-lo, Lopes estava sangrando, cheio de hematomas, com as roupas rasgadas e as mãos amarradas atrás das costas. Morreu no mesmo dia.

O Ministério Público denunciou o proprietário e os funcionários da clínica. Por conta da falta de resultados e de julgamento, a família recorreu ao Conselho de Defesa dos Direitos Humanos (CDDH), que pediu informações às autoridades de saúde e observou irregularidades na investigação. A clínica foi descredenciada após constatação de maus-tratos e abuso sexual dos pacientes. Uma junta interventora entrou na instituição, que atualmente funciona como modelo do novo tipo de atendimento mental estimulado pelo Ministério da Saúde.

¿Esperamos muito tempo e agora chegou essa notícia, o que ainda não quer dizer que vamos mesmo receber o dinheiro¿, diz Irene Ximenes Lopes Miranda, irmã de Damião. ¿Desde que a sentença saiu, há mais de um ano, não recebemos nenhum contato de ninguém do governo. Apenas uma vez, quando pediram o CPF dos beneficiados¿, afirma.