Título: Resposta à altura
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Fonte: O Estado de São Paulo, 17/07/2007, Notas & Informações, p. A3
Graças a uma atitude firme do chanceler Celso Amorim, o governo brasileiro desarmou mais uma arapuca que o bolivariano Evo Morales preparava contra os interesses do País. Na quarta-feira passada, o chanceler boliviano David Choquehuanca e o embaixador plenipotenciário para Assuntos Comerciais, Pablo Sólon, convocaram a imprensa para revelar os termos de uma interpelação que o governo Evo Morales estava fazendo ao Brasil. Tratava-se de uma baixaria diplomática, uma vez que os termos da carta estavam sendo revelados antes que esta chegasse ao Itamaraty. Nela, o governo boliviano manifestava-se ¿contrariado¿ com a concessão de licenças ambientais para a construção das duas usinas no Rio Madeira e lamentava que o Brasil tivesse tomado a decisão ¿sem ter realizado análises de impactos ambientais, sociais e econômicos que levem em conta o afluente do Rio Madeira em território boliviano¿.
Era notável a lista dos prejuízos que, pela antevisão do governo Evo Morales, a Bolívia sofreria com a construção das usinas: inundação de bosques e áreas agrícolas; perda de solos, colheitas, recursos florestais e infra-estrutura; migração da área fronteiriça do Departamento de Pando; redução ou extinção de espécies aquáticas; danos ao ecossistema; enfermidades tropicais como malária, dengue, leishmaniose e febre hemorrágica; inviabilização de pequenos projetos hidrelétricos bolivianos; emissão de gases causadores do efeito estufa; e até conflitos sociais nas comunidades fronteiriças tanto da Bolívia como do Brasil. Faltou denunciar uma epidemia de espinhela caída.
Diante da ameaça de tamanha catástrofe, o governo boliviano requeria a realização de uma reunião ministerial de urgência.
A resposta do embaixador Celso Amorim foi cabal. Aceitou a realização de uma reunião de técnicos - mas não de nível ministerial - para simples troca de informações, advertindo que os projetos de aproveitamento hidrelétrico serão realizados de qualquer maneira. Para não deixar dúvidas sobre a determinação do governo brasileiro de não permitir ingerências externas, afirmou que ¿os projetos de Jirau e Santo Antônio e seus respectivos embalses estarão integralmente em território brasileiro e seu licenciamento é de responsabilidade das autoridades ambientais brasileiras¿.
Não é da semana passada a idéia do governo Evo Morales de chantagear - porque é disso que se trata - o governo brasileiro na questão das usinas do Rio Madeira. Como essa tática deu resultado no caso do preço do gás e das refinarias da Argentina na Bolívia, o líder cocalero entendeu que poderia repetir o ato. No final do ano passado, seu governo deixou claro que exigiria compensações econômicas para permitir a construção das usinas. No começo deste ano, o chanceler boliviano chegou a declarar que a visita de Estado de Evo Morales a Brasília estava condicionada ao cancelamento da construção das usinas. Há cerca de um mês, o governo boliviano anunciou que exigiria a realização de estudos socioambientais em seu território.
Ocorre que as duas usinas serão construídas em território brasileiro. A mais próxima da Bolívia estará a cerca de 60 quilômetros de distância da fronteira. Nenhuma delas terá represas. Suas turbinas funcionarão usando a velocidade normal da correnteza. Além disso, o Rio Madeira vem da Bolívia para o Brasil, desembocando no Amazonas. Os efeitos ambientais eventualmente produzidos pelas usinas serão, assim, integralmente sentidos pelo Brasil.
Na verdade, Evo Morales quer criar dificuldades políticas para depois vender facilidades ao governo brasileiro, ao custo da construção de uma usina de cerca de 3 mil megawatts na parte boliviana do Rio Mamoré, entre Abunã e Guajará-Mirim.
Mas também nesse caso o chanceler Celso Amorim deu a palavra que se espera definitiva. Projetos de associação binacional para a construção de hidrelétricas, disse ele, requerem tempo. Antes de mais nada, ¿exigem um comportamento aceitável por um período razoável¿ por parte do governo da Bolívia.
Diplomaticamente, Celso Amorim observou que o diálogo entre os dois países ¿está melhorando¿. O teor da carta do chanceler Choquehuanca e a maneira como ele foi divulgado mostram, no entanto, que o governo Evo Morales não é confiável.