Título: Produtores manipulam estudo de brasileiro
Autor: Chade, Jamil
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/07/2007, Economia, p. B1

Ansiosos em obter a aprovação de barreiras contra a carne bovina brasileira pela Comissão Européia, os produtores europeus distorceram os resultados de pesquisas do cientista brasileiro Aramis Augusto Pinto, considerado um dos maiores especialistas do mundo em febre aftosa. A manipulação do trabalho consta do calhamaço apresentado pelos criadores ao Comitê de Agricultura do Parlamento Europeu, que ontem pediu à Comissão o 'embargo total e imediato' das importações do produto brasileiro.

'Soube há seis meses que os produtores europeus iam valer-se de um e-mail que enviei ao Congresso Nacional e ao Ministério da Agricultura como argumento a seu pedido de barreiras às carnes bovinas do Brasil', admitiu Augusto Pinto, livre-docente pela Universidade de São Paulo (USP) e professor aposentado da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), em Jaboticabal. 'Nessa correspondência, defendo que o Brasil tem controles. Se erra, é para mais.'

Na sua tentativa de demonstrar a imparcialidade de suas argumentações, os produtores europeus incluíram na papelada um suposto alerta de que os surtos de aftosa que surgem em Mato Grosso do Sul não são divulgados pelo governo brasileiro. No texto, o professor Aramis teria advertido que o Brasil não aprendera as lições do surto de 2005 e ainda hoje adotaria a política de 'não querer saber' o que ocorre com o rebanho. Ao Estado, o professor negou ter feito tais afirmações.

O texto dos europeus acerta ao mencionar Aramis Augusto Pinto como ex-conselheiro do Ministério da Agricultura e ao indicar seus mais de 30 anos de experiência no setor. Mas novamente aponta advertências contestadas pelo próprio professor da Unesp - as de que o País corre o risco de sofrer mais um surto de aftosa, uma vez que o governo não consegue controlar a doença e os fazendeiros compram as vacinas para obter o registro, mas não as aplicam nos animais. Nos argumentos dos produtores europeus, o cientista brasileiro duvidaria da capacidade de rastreamento do gado no norte de Mato Grosso do Sul e da criação de um sistema de monitoramento na região.

'Não sei qual a razão de tal assunto ter vindo à tona novamente, já que há mais de um ano não temos tido foco de aftosa', afirmou. Conforme explicou, sua correspondência foi enviada ao deputado Ronaldo Caiado, então presidente da Comissão de Agricultura e Pecuária da Câmara, em 29 de dezembro de 2005, quando havia séria polêmica no governo sobre a existência de um foco de aftosa no Paraná, provocado pelo transporte de gado do norte de Mato Grosso do Sul para aquela região. O mesmo e-mail foi enviado ao ministro da Agricultura na época, Roberto Rodrigues, e a outros quatro deputados.

Na época, o Ministério da Agricultura insistia em que havia um foco de aftosa no Paraná e determinou o sacrifício de animais supostamente contaminados. No e-mail, o professor advertira que os testes realizados teriam induzido a um diagnóstico 'falso'. Segundo ele, esse erro foi reconhecido pelo ministério. 'O Brasil sacrificou animais sem precisar.'