Título: UE pressiona Mercosul a mudar proposta de abertura industrial
Autor: Chade, Jamil
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/07/2007, Economia, p. B4

A União Européia (UE) alertou ontem que, se os países do Mercosul mantiverem a atual posição nas negociações da Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC) no setor industrial, dificilmente haverá espaço para negociar um acordo bilateral entre os dois blocos nos próximos meses.

O alerta foi dado pelas autoridades européias ao subsecretário de Comércio da Argentina, Nestor Stancanelli, às vésperas de a OMC apresentar o que acredita que pode ser o acordo para estabelecer de que forma ocorrerá a liberalização dos mercados agrícolas e de bens industriais.

Amanhã, será a vez de o chanceler brasileiro, Celso Amorim, se reunir com o comissário de Comércio da Europa, Peter Mandelson, em Bruxelas, para debater as propostas e definir como seguir adiante com as negociações.

Amorim está em Nova Délhi, onde se reuniu, ontem, com o chanceler indiano, Pranab Mukherjee, a fim de preparar o encontro da comissão trilateral (Brasil, Índia e África do Sul), hoje. Essa reunião é uma prévia da cúpula marcada para outubro, na África do Sul.

Com um tom bem mais agressivo dentro das salas de reuniões que em suas declarações públicas, os europeus deixam claro que não estão satisfeitos com a posição do Mercosul de não aceitar cortes de suas tarifas de importação de bens industriais de mais de 50%.

Stancanelli retrucou. 'Eu disse, claramente, aos europeus: vocês não ofereceram nada em agricultura. O que está na mesa não representa nada em termos de acesso', disse o representante argentino. Para os países do Mercosul, a oferta européia não representa um acesso suficiente em termos de corte de tarifas de importação.

Já a Europa alertou que, com o grau de ambição que o Mercosul apresenta no setor industrial, não haveria como negociar um acordo inter-regional. Bruxelas estima que não terá como convencer os 27 países do bloco a abrirem os seus mercados agrícolas em um acordo com Brasil e Argentina sem que as concessões compensem eventuais prejuízos.

De fato, em uma reunião de ministros da Agricultura da UE, ontem, na capital européia, vários governos afirmaram que a não poderiam ir além em suas propostas de abertura, entre eles o da Hungria e Holanda. Para a França, a Europa não pode ser responsabilizada por um fracasso, já que caberia aos americanos reduzirem as suas distorções.

Mas os europeus não querem perder tempo. Enquanto a OMC não caminha, Bruxelas acelera a sua tentativa de acordo com a Coréia do Sul, segundo maior mercado da Ásia para os europeus. Não por acaso a UE sugere, pela primeira vez, a eliminação de 100% de suas tarifas caso os coreanos retribuam com o mesmo benefício.

AMBIÇÃO

Na OMC, muitos diplomatas acreditam que a ambição real de cada país na Rodada Doha poderá começar a ser medida hoje. Os mediadores agrícolas e de bens industriais apresentarão o que acreditam ser o ponto de convergência de todas as propostas.

Os textos, aguardados com ansiedade em Genebra, estabelecerão as bases para os debates sobre o teto dos subsídios, o corte de tarifas e a abertura dos mercados de bens industriais.

Negociadores que já tiveram acesso ao documento disseram ao Estado que as propostas que serão apresentadas estão sendo consideradas ' ambiciosas', ainda que não nos níveis esperados inicialmente pelo gabinete de Pascal Lamy, diretor da OMC.

A estratégia dos governos será a de evitar atacar as propostas a partir de hoje para permitir que elas sobrevivam pelo menos até setembro. Vários governos, porém, deixaram claro à direção da OMC que esse não é o momento de uma reunião ministerial, como queria Amorim. 'Nós avisamos que não mandaríamos nosso ministro', afirmou um representante de um país centro-americano.

Ainda assim, a agenda de Mandelson e Amorim amanhã será a de tentar restabelecer o diálogo para ver o que pode ser feito nas próximas semanas. O encontro foi organizado depois que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva conversou com a chanceler alemã, Angela Merkel, na semana passada.