Título: O tático e o estratégico
Autor: Plöger, Alfried Karl
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/07/2007, Economia, p. B2

A Associação Brasileira da Indústria Gráfica (Abigraf) revela que o saldo da balança comercial do setor, que acumulava superávit expressivo nos últimos anos, fechou o primeiro bimestre de 2007 com déficit de US$ 8 milhões. É óbvio ser necessário reiterar o alerta ao governo de que o câmbio sobrevalorizado, a exemplo do que ocorre com numerosos segmentos, está prejudicando a atividade, que emprega 183 mil pessoas e reúne 17,3 mil empresas, 90% das quais de pequeno porte.

Paralelamente às gestões da sociedade, no sentido de que a política monetária seja menos radical e na defesa das reformas da Previdência e dos sistemas tributário e trabalhista, é importante refletir sobre as mudanças em curso na economia mundial. Estas parecem ser ainda pouco percebidas num cenário econômico complexo como o brasileiro, em que a prioridade das empresas é invariavelmente focada na perspectiva da sobrevivência e o planejamento vislumbra, quase sempre, apenas a manhã seguinte.

No contexto dessa análise, é interessante lembrar o alerta do economista William R. Cline, do Peterson Institute for International Economics, em matéria no Estado. Ele salienta: ¿Países como o Brasil devem adaptar-se ao novo cenário, no qual os Estados Unidos deixarão de ser o grande importador(...). É preciso olhar para outros compradores e pensar em demanda doméstica.¿ Muito lúcido e pertinente, pois o mercado internacional - e não só o norte-americano -, embora deva ser sistematicamente prospectado, é suscetível aos caprichos, às oscilações da globalização, a problemas políticos e ao crash de uma ou de outra economia, entre outras variáveis.

Quando se fala em ¿demanda doméstica¿, é inexorável, na América Latina, enfatizar as pequenas empresas, predominantes em muitos setores de atividades, como as gráficas. E aí as projeções são preocupantes. Texto inserido no site do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) é esclarecedor sobre a situação: ¿Prejudicadas por uma educação básica inadequada e freqüentemente incompleta, as pessoas de baixa renda na América Latina e no Caribe são obrigadas a aceitar empregos que exigem pouca qualificação e oferecem escassas oportunidades de avanço. Obviamente, estão também em acentuada desvantagem para iniciar e conduzir um negócio próprio. O problema é amplificado pelo fato de que as pequenas e médias empresas, responsáveis por 20% a 40% dos empregos formais na região, não têm condições de oferecer capacitação a seus funcionários sem financiamentos do governo.¿

Com certeza, tal diagnóstico explica, em grande parte, o posicionamento do Brasil em estudo do Worldwatch Institute, que estabeleceu o ranking dos países quanto ao número de pessoas que podem ser identificadas pela palavra ¿consumidor¿, ou seja, quem tem poder de compra acima de US$ 7 mil. Em primeiro lugar estão os Estados Unidos, com 242,5 milhões de consumidores (84% da população). A China vem em seguida, com 239,8 milhões (19%). A Índia ocupa o terceiro lugar, com 121,9 milhões (12% da população). O Japão, que tem a parcela mais significativa da sua população incluída na sociedade de consumo (95% ou 120,7 milhões de pessoas) é o quarto, seguido da Alemanha (76,3 milhões ou 92% da população). A Rússia é o sexto, com 61,3 milhões, o equivalente a 43% dos habitantes. No Brasil, embora ocupe o sétimo lugar no ranking, posição aparentemente relevante, apenas 33% dos habitantes se classificam como consumidores.

Assim, simultaneamente às ações táticas voltadas à competitividade, abrangendo juros, câmbio, reformas estruturais e o gargalo da infra-estrutura, é preciso um olhar, com alcance de médio e longo prazos, contemplando os novos cenários mundiais. E nesta abordagem estratégica é imprescindível ênfase à demanda doméstica e à inclusão social, o que também exige disseminar no País meios de financiamento, como o mercado de ações, menos influenciados pelos juros e o fluxo do capital especulativo. No tabuleiro de xadrez da globalização, não basta refletir sobre o próximo lance. É necessário enxergar além para evitar que as oportunidades de desenvolvimento sejam submetidas a letal xeque-mate.