Título: Para Ortega, Lula oferece futebol
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Fonte: O Estado de São Paulo, 10/08/2007, Notas & Informações, p. A3

Sem assunto para uma conversa mais séria, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva propôs ao companheiro Daniel Ortega, da Nicarágua, uma partida de futebol entre governantes sul e centro-americanos. Sua nova campanha de sedução dos parceiros latino-americanos, iniciada com uma visita ao México e prolongada com um giro pela América Central e pelo Caribe, foi marcada por uma notável sucessão de desencontros. Empenhado na diplomacia do álcool, sua nova especialidade, o presidente brasileiro só encontrou sinais de entusiasmo na Jamaica, onde inaugurou uma usina de etanol, investimento realizado com participação de um grupo brasileiro, e discutiu maior cooperação entre os dois países na produção de biocombustíveis.

Até então, a tournée iniciada no México não havia resultado em mais que uma série de conversas mornas e sem grandes conseqüências. Em Tegucigalpa, Lula havia tentado seduzir o presidente de Honduras, José Manuel Zelaya Rosales, com uma oferta de cooperação em programas de etanol e de biodiesel. A oferta foi aceita e poderá render negócios conjuntos, mas o companheiro hondurenho mostrou maior interesse na pesquisa de petróleo e para isso pediu a colaboração da Petrobrás. Isso dependerá, respondeu o presidente brasileiro, de uma decisão da empresa.

Na escala seguinte, Lula reviu o companheiro Daniel Ortega, novamente na presidência da Nicarágua. O resultado foi constrangedor. O sandinista Ortega está agora engajado na cruzada bolivariana dirigida pelo presidente Hugo Chávez, da Venezuela.

Como seu discípulo aplicado, Ortega fez uma peroração contra o uso do milho para a produção de etanol. Lula tentou tranqüilizá-lo: álcool e biodiesel são produzidos também com outras matérias-primas. O presidente sandino-bolivariano acabou, no dia seguinte, mostrando alguma simpatia pela fabricação de biodiesel a partir do dendê.

Mas a preocupação de Ortega era outra. Num país sujeito a apagões diários de até oito horas, a prioridade é a construção de usinas elétricas. Lula acabou prometendo ajuda para o investimento em eletricidade.

Lula estava atrasado na disputa pela simpatia do companheiro da Nicarágua. Com fornecimento de petróleo barato e ajuda financeira, Chávez havia chegado muito antes. Não por acaso, o governo venezuelano foi apoiado com manifestações de rua, na capital nicaragüense, quando resolveu não renovar a concessão da RCTV.

Chávez continua levando vantagem na competição com Lula pela influência sobre os parceiros latino-americanos. Enquanto o presidente brasileiro concluía a visita ao México e iniciava o giro pela América Central, o presidente venezuelano, no extremo oposto da América Latina, comprava mais US$ 500 milhões de papéis do Tesouro argentino e prometia perpétua segurança energética ao Uruguai. De quebra, Chávez ainda se queixou do Brasil, em Buenos Aires, declarando-se envergonhado pela demora na construção, em Pernambuco, de uma refinaria com participação da PDVSA.

Parece ter faltado ao governo brasileiro, no planejamento da viagem, uma percepção mais clara dos interesses de cada país e das possibilidades mais tangíveis de cooperação entre o Brasil e os vários parceiros. A passagem pelo México foi quase inútil. O ganho mais importante, nessa etapa, teria sido uma ampliação do acordo de complementação econômica entre os dois países. O comércio bilateral tem crescido, mas continua muito abaixo das possibilidades. A visita nada produziu de concreto nesse campo.

Além disso, o discurso de Lula foi marcado, tanto no México quanto na América Central, por um erro grave de avaliação. O presidente brasileiro insistiu na retórica da cooperação entre os latino-americanos como alternativa à dependência do mundo rico.

Na maior parte das ocasiões, desconheceu os interesses tanto dos anfitriões quanto dos empresários brasileiros. Com a possível exceção dos nicaragüenses, capturados pela retórica bolivariana e pelos petrodólares venezuelanos, todos procuram ampliar o comércio com os Estados Unidos. Esse tem sido um dos motivos do investimento brasileiro na região, já beneficiada por acordos com os Estados Unidos ou por preferências comerciais. Se tivesse preparado a lição, Lula teria feito uma viagem mais proveitosa.