Título: BC quer maior disputa entre bancos
Autor: Sobral, Isabel
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/07/2007, Economia, p. B3

Junto com o Cade, Banco Central prepara medidas para aumentar o rigor na análise de fusões no sistema financeiro.

Com o fim das turbulências que marcaram o setor bancário nacional na década de 90, chegou a hora de aumentar a competição. O caminho até lá ainda é longo, mas o Banco Central (BC) acredita que em breve dará o primeiro passo para isso, ao tornar mais criteriosa as análises de fusões entre instituições financeiras que, como outros setores da economia, estão num ciclo de alta.

Investigações de possíveis cartéis e outros crimes contra a concorrência por parte dos bancos ainda dependem de uma lei que permita ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) fazer isso. Propostas nesse sentido tramitam no Congresso há cinco anos.

O diretor de Normas do BC, Alexandre Tombini, disse que, embora ainda não haja perspectiva de a nova lei sair do papel, BC e Cade têm trocado experiências há dois anos e o primeiro resultado do trabalho conjunto será a edição de um 'guia' com orientações sobre como aperfeiçoar o olhar técnico do BC ao autorizar uma fusão entre bancos. 'A minha idéia é ter esse guia prático no segundo semestre e ele vai servir para a nossa orientação, a do Cade e do público que estará sujeito às análises de concentração de mercado', disse o diretor.

Tombini evitou detalhar o que mudará nas análises do BC. No entanto, o Cade quer que o BC busque identificar se a fusão ou a aquisição aumenta de modo excessivo o poder de mercado da nova empresa - a ponto de ela poder impor preços, ou ditar a ação de concorrentes, por exemplo. Isso é um critério já observado pelo Cade nas aquisições de outros setores.

O conselheiro do Cade, Ricardo Cueva, afirma que, num ambiente macroeconômico e bancário estável, é possível ao órgão regulador analisar esses 'exercícios de poder' em nichos específicos, seja por produtos - como crédito com desconto em folha ou cheque especial - ou por regiões de atuação das instituições. Algumas informações, diz ele, nem precisarão ser pedidas aos bancos, porque o BC já as tem. Mas será preciso mudar o foco de avaliação.

ANÁLISE

Cueva explicou que, para uma boa análise antitruste, o fundamental é a definição do 'mercado relevante' da operação, para nele avaliar quais as condições de competição, o grau de dificuldade para entrada de novos competidores e a alternativa dada aos consumidores.

'Não há um número cabalístico para afirmar que a concentração de empresas é prejudicial ou não à concorrência, pois há vários fatores importantes', disse o conselheiro. No caso do setor bancário, as condições típicas desse mercado tornam ainda maior o desafio de um julgamento antitruste.

'O setor bancário é diferente dos outros: se uma fábrica de chocolates quebra, o seu concorrente vai soltar fogos de artifícios, mas se um banco quebra, os demais ficam apreensivos, porque isso pode afetar a credibilidade do sistema aos olhos do público', comentou o ex-conselheiro do Cade e estudioso da concorrência no sistema financeiro, Celso Campilongo.

Mas, embora destaque várias outras peculiaridades do setor bancário e reconheça que o setor tem de ser tratado com cuidado, Campilongo afirmou que é muito ruim para uma economia manter setores à margem das análises concorrenciais. Por isso, defendeu o projeto de lei que define as responsabilidades entre BC e Cade.

O projeto estabelece que a análise das operações no setor bancário permanece com o BC. Mas, nos casos em que o BC julgar que a publicidade ou outras características do negócio não trazem 'risco sistêmico' ao mercado, o processo poderá ser remetido ao Cade, que julgará eventuais condutas anticompetitivas. 'O Cade é que é talhado para isso, já que tem legislação específica e experiência', disse Campilongo.

Até 2002, BC e Cade disputavam quem deveria fiscalizar as fusões de bancos. A disputa foi resolvida por um decreto presidencial que reafirmou o poder do BC de autorizar primeiramente os negócios, até que a nova legislação que vai repartir as tarefas seja aprovada.