Título: Escândalo de mala com dólares derruba assessor de Kirchner
Autor: Palacios, Ariel
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/08/2007, Internacional, p. A14

Funcionário ligado a homem-forte do gabinete argentino e de estreitas ligações com a Venezuela não resiste à pressão

O 'escândalo da mala' - o caso cujo pivô é uma maleta com US$ 790 mil que chegou à Argentina sem serem declarados pelas mãos de um cidadão venezuelano no fim de semana - causou ontem a primeira baixa. O argentino Claudio Uberti, diretor do Órgão de Fiscalização de Estradas e homem de confiança do poderoso ministro do Planejamento e Obras Públicas, Julio De Vido, teve de deixar o cargo 12 horas depois que a Justiça divulgou que ele era um dos nove passageiros do jatinho, vindo de Caracas - que no sábado pousou em Buenos Aires com os dólares contrabandeados. Outros passageiros do avião eram integrantes dos governos argentino e venezuelano (incluindo funcionários da estatal petrolífera da Venezuela, a PDVSA), além de Guido Antonini Wilson, o venezuelano que carregava a maleta.

A procuradora María Luz Rivas Díaz denunciou ontem Antonini Wilson por 'tentativa de contrabando', pedindo à Justiça a abertura de processo contra o venezuelano - que seguiu dias depois para o Uruguai.

O presidente Néstor Kirchner fez alarde ontem de sua disposição de combater a corrupção. 'Não escondo nada. E quando algo acontece, tomo as medidas que correspondem!', esbravejou num comício. 'Pela primeira vez, neste país, a corrupção é combatida a sério!', acrescentou, sem se referir a Uberti.

Após a renúncia de Uberti - principal negociador de acordos com a Venezuela e considerado 'embaixador paralelo de Kirchner' -, havia a expectativa de que outro integrante do vôo, o argentino Exequiel Espinosa, presidente da estatal petrolífera Enarsa (que havia alugado o jatinho), também deixasse o cargo. Mas o chefe do gabinete de ministros, Alberto Fernández, confirmou que Espinosa permaneceria em seu posto. 'Ele não tem nada ver com esse assunto', explicou. 'Houve abuso da boa-fé dos funcionários argentinos por parte dos funcionários venezuelanos que pediram que trouxessem alguém que levava uma maleta com essa quantia em dinheiro sem que ninguém soubesse.'

O escândalo atinge De Vido, braço direito de Kirchner na área econômica. Líderes da oposição pediram a renúncia imediata de De Vido, que também é suspeito de envolvimento no caso Skanska (escândalo de suborno e superfaturamento na construção de grandes gasodutos na Argentina). Entre os empresários argentinos, De Vido é apelidado de 'celular', uma referência aos supostos 15% - mesmo número do prefixo da principal operadora de telefonia móvel argentina - cobrados de comissão para a concessão de contratos.

O escândalo também ameaça causar uma onda de denúncias sobre as relações obscuras e bilionárias entre os governos Kirchner e Hugo Chávez. O deputado Esteban Bullrich, da centro-direitista Proposta Republicana, diz haver superfaturamento nas compras argentinas de diesel venezuelano, entre outras irregularidades.

Nos últimos três anos, as relações comerciais e financeiras entre os dois países intensificaram-se com a aproximação política de seus governos - que, nas últimas semanas, começou a esfriar. A razão é a candidatura presidencial da mulher de Kirchner, a senadora Cristina Kirchner. O casal presidencial, com a intenção de conquistar a confiança do mercado, optou por manter os laços econômicos com Chávez, mas afastar-se dele gradualmente na esfera política.

O escândalo, em meio à campanha eleitoral, teria indisposto ainda mais os Kirchners com Chávez. Ontem, o governo argentino tentou desvincular-se da maleta, responsabilizando os passageiros venezuelanos, todos homens de confiança de Chávez.

O 'OURO DE CARACAS'

Bolívia - Candidatos que disputavam a presidência da Bolívia com Evo Morales, em dezembro de 2005, acusaram o candidato indígena de ter recebido apoio material do governo venezuelano para sua campanha eleitoral.

Nicarágua - Chávez, por meio da estatal venezuelana PDVSA, apoiou a candidatura do ex-presidente esquerdista Daniel Ortega, que acabou vencendo a eleição do ano passado e retornando ao poder. Numa ação atribuída por Chávez à 'solidariedade latino-americana', a PDVSA distribuiu combustível a preços simbólicos às cidades nicaragüenses governadas por prefeitos sandinistas

Peru - O aberto apoio de Chávez ao candidato nacionalista Ollanta Humala abalou as relações diplomáticas entre Venezuela e Peru - que chegaram a chamar de volta seus respectivos embaixadores. Chávez e o peruano Alan García, que venceria a eleição, chegaram a trocar insultos publicamente

Equador - O candidato presidencial derrotado em novembro, Álvaro Noboa, acusou o vencedor, Rafael Correa, de ter recebido financiamento e assessoria do governo de Chávez em sua campanha. Amigo pessoal do presidente venezuelano, Correa rejeita a acusação