Título: À espera da derrocada
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Fonte: O Estado de São Paulo, 09/08/2007, Notas & Informações, p. A3

A pronta resposta do Supremo Tribunal Federal (STF) ao pedido do procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, para a abertura de inquérito destinado a averiguar suspeitas de enriquecimento ilícito do presidente do Senado, Renan Calheiros, tirou o chão debaixo dos pés do cacique político alagoano, que em um punhado de anos amealhou um patrimônio milionário. Pouco importa ele se vangloriar da paternidade da iniciativa do procurador - o que este, cioso da verdade dos fatos, não deixou de consignar em sua petição. A realidade é que a imediata acolhida do requerimento, seguida da não menos rápida decisão do relator sorteado para o caso, ministro Ricardo Lewandowski, de quebrar o sigilo fiscal e bancário do inquirido a contar do ano 2000, deixou-o patentemente desnorteado.

Pela segunda vez em dois dias, como quem pretende tapar o sol com uma peneira desfeita, Calheiros apelou para a tática desmoralizada de desqualificar as acusações de que é alvo, sem contestá-las no mérito, porém tentando desmoralizar o acusador - a revista Veja, cujas revelações já deram azo à abertura de um processo contra ele no Conselho de Ética e à autorização para um segundo. O processo em curso, como se sabe, envolve as ligações promíscuas do senador com o lobista de uma empreiteira, o qual efetuava os seus pagamentos, em dinheiro, devidos à ex-amante. O núcleo da investigação é a origem dos recursos. A segunda possível quebra de decoro seria a venda à Schincariol de uma fábrica de refrigerantes da família por R$ 27 milhões, pelo menos 500% acima de seu valor de mercado.

A se confirmarem as suspeitas, o colossal sobrepreço seria o prêmio pago a Calheiros por suas alegadas tentativas de aliviar a barra da cervejaria endividada junto ao INSS e à Receita Federal. O Conselho foi ainda instado a apurar a denúncia, já sob investigação do Ministério Público, de que o senador participou de grilagem de terras em Alagoas, com a possível cumplicidade do Registro de Imóveis de Murici, sede do seu feudo. O importante, nessa nova solicitação, é que a Mesa a aprovou por 5 votos a 2 - contra o parecer do advogado-geral do Senado, Alberto Cascais. Desde a primeira hora, ele tem agido como defensor jurídico não da instituição, mas de seu dirigente de turno. A aprovação do pedido é significativa: vale por um tratado sobre o crescente isolamento político de Calheiros.

Prensado entre o Supremo e o Conselho - que poderá ser chamado a investigar também se ele, como noticiou a Veja, é sócio clandestino de duas emissoras alagoanas de rádio -, o assolado político peleja para não sucumbir, sem se dar conta, ao que tudo indica, de que, a cada novo movimento seu, mais ele se aproxima da própria perdição. Dois meses atrás, quando percebeu que nada do que fizesse - e não foi pouco o que fez - levaria o Conselho a engavetar o processo oriundo de uma representação do PSOL, deixou correr o rumor de que, sobrevindo o pior, revelaria os supostos podres de seus pares. Agora, indicou que está disposto a cumprir a ameaça. Na sessão de anteontem, ao ouvir do líder do DEM, José Agripino, que a oposição obstruiria as votações na Casa enquanto não se licenciar da presidência, Calheiros apelou.

Disse que, se o adversário fosse submetido a uma devassa como a que sofre, ¿com os negócios que tem, as concessões que tem, com os financiamentos bancários e estatais que tem, talvez não agüentasse a duas semanas de acusação como eu tenho agüentado¿. Mas fugiu ao desafio do outro de dizer ¿onde é que existe algum pecado¿ no seu caso. Por prudência ou aturdimento, nenhum outro senador pediu a palavra para repreendê-lo pela conduta incompatível com o cargo que exerce. A imagem do Senado só teria a ganhar se alguém o tivesse feito, mas isso não muda o essencial - a derrocada de Calheiros é um desfecho à espera de acontecer. A esta altura, já não se crê que, deixando a presidência, salvará o mandato. No Planalto, os seus SOS perderam força.

O presidente Lula precisa, primeiro, ver aprovada logo a prorrogação da CPMF e da DRU. ¿Nenhum caso individual¿, advertiu, pode obstar isso. Segundo, tendo Calheiros chegado ao ponto sem volta, que desaconselha expressões de solidariedade, Lula precisa de um sucessor no Senado que pelo menos não seja um foco de problemas para o governo. Alternativas escasseiam.