Título: Nicarágua aceita ajuda de Lula para produzir etanol
Autor: Marin, Denise Chrispim
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/08/2007, Economia, p. B9

O presidente Daniel Ortega reviu sua resistência ao biocombustível e, em troca, pediu financiamento para a construção de usinas hidrelétricas

O sandinista Daniel Ortega, presidente da Nicarágua, reviu da noite para o dia sua resistência à cooperação brasileira na área de biocombustíveis e declarou-se, na manhã de ontem, aberto a receber a ajuda oferecida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, seu 'amigo e irmão' há 26 anos. Em um encontro no seu gabinete, diante da imprensa, Ortega afirmou que apoiará a produção de biodiesel em seu país, a partir da palma africana (dendê). Mas extraiu de Lula a promessa de ajuda no financiamento da construção de hidrelétricas - modelo com o qual espera contornar a crise energética que submete o país a um apagão de sete a oito horas diárias.

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A presença de Lula na Nicarágua de Ortega teve forte componente político, assentado sobre as bases da cooperação na área de biocombustíveis e em outros segmentos deficientes do país - o mais pobre da América Latina, ao lado do Haiti, como o próprio líder sandinista destacou. Empossado em janeiro, Ortega adotou um modelo similar ao da esquerda-nacionalista do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, e tende a consolidar-se como mais um satélite de Caracas na América Latina.

Do venezuelano, a Nicarágua recebeu promessa de ajuda de US$ 600 milhões, perdão da dívida de US$ 31,8 milhões, cooperação em 15 setores e compromisso de fornecimento de petróleo. Manágua, por sua vez, aderiu à Alternativa Bolivariana para as Américas, processo de integração capitaneado por Chávez - um dos mais ferrenhos adversários dos biocombustíveis. Sete meses depois, Ortega firmou ontem 12 acordos de cooperação técnica com o Brasil em áreas como saúde e agricultura.

'É inadmissível a Nicarágua produzir etanol derivado do milho, que é um produto básico da nossa alimentação. Isso é um crime. O (presidente americano George) Bush saiu com essa iniciativa de produzir etanol a partir do milho, uma proposta totalmente absurda', disparou o ex-líder da revolução sandinista dos anos 70. 'Meu governo está disposto a discutir com a Nicarágua o financiamento de hidrelétricas e a participação de empresas brasileiras', rebateu Lula, que levou em sua comitiva empresários da construção, atentos à oportunidade.

Na noite anterior, ao ser abordado por jornalistas brasileiros, Ortega havia descartado a possibilidade de aceitar o desenvolvimento de biocombustíveis em seu país, pouco antes de oferecer um jantar a Lula, testemunhado apenas pelas primeiras-damas Marisa Letícia e Rosário Murillo. Na ocasião, insistira em que a exploração do potencial hídrico da Nicarágua seria a aposta de seu governo para fazer frente à crise energética e informara que a legislação local dificulta a adoção da mistura do álcool na gasolina.

Na sala de despachos de Ortega, Lula costurou um convincente discurso em favor da incorporação de biocombustíveis na matriz energética de economias pobres. 'Eu também não aceitaria fazer biodiesel de cravo, senão estragaria uma bela flor', começou Lula, ao retirar um cravo do bolso de Ortega e colocá-lo de volta. 'Produzir etanol de milho na Nicarágua é como produzir etanol de feijão no Brasil. É impossível.'

Lula argumentou que a questão energética tornou-se preocupação de todos os líderes do mundo e cada país terá de montar o modelo mais adequado às suas condições. Destacou que nem todo país conta, como o Brasil, com tecnologia para extração de petróleo a 5 mil metros de profundidade.

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