Título: Pelos caminhos do pequi e do junco
Autor: Novaes, Washington
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/08/2007, Espaço Aberto, p. A2

Começa-se pensando no cerrado brasileiro, chega-se aos mangues sul-americanos. Começa-se na Europa primitiva, chega-se à Ásia. O ser humano vai aprendendo que tudo está interligado no planeta - para bem ou para mal.

Cientistas da UnB e da Universidade Católica de Brasília - relata Gustavo Faleiros em O Eco (10/8) - estão preocupados com a redução da variabilidade genética do pequi em áreas isoladas do cerrado, já que esse fruto é uma das principais fontes de alimento do lobo-guará, do cateto, da anta e de outras espécies (inclusive a humana). E sua hipótese é de que os morcegos, os principais polinizadores do pequizeiro, não levam o pólen para áreas mais remotas. Têm razão para se preocupar. Há anos a Embrapa Monitoramento por Satélite e seu diretor, Evaristo Miranda, vêm dizendo que só restam do cerrado brasileiro menos de 5% em áreas com possibilidade de sobreviver, com mais de 2 mil hectares contínuos - em fragmentos menores as cadeias genéticas e reprodutivas têm dificuldade para se manter.

Talvez no caso do pequi possa haver outros componentes, relacionados com o nosso parco conhecimento sobre as espécies. Há duas décadas, o autor destas linhas acompanha esforços de pesquisadores para encontrarem formatos que garantam a sobrevivência do pequizeiro. Numa universidade, por exemplo, conseguiu-se produzir mudas de pequizeiro. Plantadas por este escriba há quase 20 anos, cresceram, mas não produziram flores nem frutos. Um índio do Xingu, Tabata Kuikuro, ao saber disso, comentou: ¿É porque vocês não sabem plantar, plantam com o caroço do pequi deitado, tem que plantar com ele de pé, nós fazemos assim¿ - e o Xingu tem pequi em abundância. Tabata prometeu e em sua viagem seguinte trouxe caroços de pequi do Xingu, plantou-os em Goiânia, onde já floresceram e frutificaram.

Seja por que caminhos for, o Relatório Planeta Vivo 2006 , do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente e do WWF, diz que ¿estamos deteriorando os ecossistemas naturais a um ritmo nunca visto na história da humanidade¿. E perdendo informações preciosas sobre as espécies da biodiversidade. O índice das espécies terrestres no planeta declinou 31% entre 1971 e 2003; o das espécies marinhas, 27%; o das espécies de água doce, 28%.

Retorna-se aos antepassados humanos: pesquisadores da Espanha e da Itália, examinando 5 mil dentes de fósseis da Ásia e da África, concluíram que os primeiros hominídeos europeus (que comeriam eles?) podem ter vindo principalmente da Ásia, e não apenas da África (Estado, 7/8). Quase ao mesmo tempo, noticia-se que um neto do famoso navegador norueguês Thor Heyerdahl (falecido em 2002) repetiu a célebre expedição do avô: navegou numa jangada primitiva do Peru à Polinésia, em menos tempo.

Thor Heyerdahl ficou famoso há 60 anos, quando, para provar sua hipótese de que o povoamento poderia ter ocorrido da América para a Ásia - ao inverso do que se afirmava -, juntou mais cinco companheiros, cortou árvores na Amazônia peruana, fez os troncos descerem na correnteza dos rios até o litoral e com eles construiu uma jangada rústica, contratou fiandeiras para tecer as velas e se meteu no oceano durante 101 dias, ao sabor dos ventos, com a embarcação cercada por tubarões. Depois de 8 mil quilômetros percorridos, chegaram ao atol de Tuvalu, na Polinésia - provando na prática a hipótese de Heyerdahl. Foi a célebre Expedição Kon-Tiki, tema de livros e filmes.

Em 1998, nas suas memórias - Na Trilha de Adão, editadas no Brasil em 2000 -, Heyerdahl conta que depois da viagem à Polinésia decidiu fazer outra, da África à América Central. E quase morreu, porque os troncos da embarcação se encharcaram antes da chegada ao destino. Por isso, quando resolveu tentar, com o mesmo método, o roteiro Ásia-África, saiu em busca de informações sobre o junco, a madeira da jangada. E foi parar na Mesopotâmia, pátria dessa espécie, onde o conduziram até a casa de um homem de mais de 100 anos de idade, que se dizia saber tudo sobre o junco. Quando Heyerdahl descreveu o insucesso da viagem à América Central e lhe perguntou por que a madeira se encharcara - ela que permitira toda a navegação durante séculos, a ¿descoberta¿ de vários mundos -, o velho, serena e concisamente, respondeu: ¿Porque não foi colhido em agosto.¿

Heyerdahl, em suas memórias, maravilhava-se com o encontro. E observava que um conhecimento tão precioso para a evolução humana - junco colhido fora de época encharca - se estava perdendo. Como a cada dia se perdem outros conhecimentos preciosos de povos ditos primitivos, à medida que seu hábitat é devastado.

Thomas Lovejoy, uma das pessoas mais respeitadas na área da ciência, lembra que só o comércio de medicamentos derivados de espécies vegetais supera a casa dos US$ 200 bilhões anuais. Quanto valerá o repositório de informações contidas nos milhões de espécies que nem sequer foram estudadas? Quanto valerá a biodiversidade vegetal brasileira, entre 10% e 20% da planetária? Quando se levará a sério a proposta da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) de desmatamento zero na Amazônia e forte investimento em ciência e formação de cientistas na área? Apenas 9% do PIB amazônico está relacionado com a biodiversidade, diz o cientista Charles Clement. Se a redução do desmatamento em 2005/2006 deve ser saudada, ainda cabe lamentar que mais 14 mil km2 dessa biodiversidade tenham sido perdidos em um ano; 700 mil km2 ao todo.

Quem somos nós? De onde viemos? Para onde vamos? Segundo Carl Jung, são essas as três perguntas realmente fundamentais que devemos fazer. Mas é preciso que o entorno permaneça para que possamos responder; para saber por onde caminhamos ao longo dos séculos, com que recursos. E para onde poderemos ir, com tudo à nossa volta ameaçado.