Título: O PSDB e a economia que vai mal
Autor: Macedo, Roberto
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/08/2007, Espaço Aberto, p. A2

¿A economia vai bem, mas o governo vai mal¿, disse o ex-presidente FHC em seminário do PSDB realizado para discutir a economia e a estratégia do partido diante dela e do governo federal, conforme este jornal, na última sexta-feira. E recomendou ¿disputar a eleição com o governo, não com a economia¿.

Ora, se a economia de fato estivesse bem, isso seria uma contradição com um governo que vai mal, tamanho o peso e a influência econômica que ele tem. Ademais, se a oposição aceitasse que a economia vai bem, o próprio governo usaria isso para dizer que foi resultado do seu trabalho, reconhecido até pelos oponentes. E é fácil argumentar que a economia continua mal, pois são grandes suas fragilidades no momento e incertezas que cercam seu futuro.

Para conhecê-las cabe exorcizar esse pensamento quase único de que vai bem, difundido principalmente por economistas e outros arautos do setor financeiro, que, como de hábito, está otimamente bem. Já na economia como um todo, o crescimento previsto para 2007, de 4,5%, está longe das taxas muito maiores que o Brasil já teve no passado, em vários anos mais que o dobro disso. Sem perspectivas de sair da segunda divisão da economia mundial, a brasileira só vai bem para quem se contenta com pouco. Padece de fraqueza crônica há mais de 20 anos e não se pode concluir que vai bem só porque agora cresce um pouco mais.

No que deveria ser sua principal fonte de vigor, a taxa de investimento em capital fixo, mostra míseros 16% do PIB, enquanto países que crescem muito mais investem 30% ou mesmo 40% do que produzem. Sem ¿economês¿: se o País produzisse apenas milho, é como se hoje consumisse quase tudo em pipocas e pamonhas, sem poupar o necessário na forma de sementes - essas máquinas de produzir milho - para produzir bem mais na safra seguinte.

O próprio FHC percebeu a fragilidade dos investimentos, afirmando que ¿energia é um desastre¿, e idêntico tom veio nas críticas às más condições dos portos e das rodovias federais. Mas cabe perguntar: como uma economia pode ir bem com todas essas fragilidades na sua infra-estrutura? Qual o seu futuro?

O Brasil também está mal relativamente a outros países, pois sua perspectiva é de ficar abaixo do crescimento da economia mundial, previsto em 5,2% para 2007 pelo FMI. E está também mal perante seus vizinhos, como mostra a edição de julho do Panorama Econômico da América Latina e do Caribe, da Cepal, a comissão econômica das Nações Unidas para a região. Se ficar nos 4,5%, o Brasil estará abaixo das médias da América do Sul (5,7%) e do Caribe (5,5%), só superando as taxas do México (outro doente crônico) e da América Central. E mais: tomando-se as taxas de investimento de 19 países, o Brasil só supera as da Bolívia e do Uruguai.

O documento também assinala que o crescimento regional menos fraco nos últimos cinco anos resultou da situação muito favorável da economia mundial. Disso vieram, via aumento da demanda e maiores preços de commodities, estímulos generalizados para a região. Mas o Brasil foi um dos países que menos aproveitou esses anos de vacas gordas. Ganhou uns quilos, mas continua um boi magro.

Quanto ao governo que alardeia sucessos que não são seus, bastam as palavras de um dos seus apoiadores, que não perdeu o senso crítico: ¿É ridículo imaginar que foram as virtudes da nossa política econômica que produziram o resultado que aliviou nossa dependência externa¿ (Delfim Netto, Valor, 14/8).

Além de surfar mal nessa onda mundial, o governo impõe danos à economia, agravando sua fragilidade atual e futura, num trabalho em três vertentes. A primeira é a expansão, economicamente deletéria, da carga tributária e dos gastos públicos de custeio, em particular dos de pessoal, numa estratégia que aparelha o Estado não apenas com mais quadros partidários nos ampliados cargos de confiança, mas também via corporações de efetivos articuladas por esses quadros.

Aliás, no projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias ora no Congresso, esse estrangulamento da economia é objetivo explícito da política governamental. Assim, a receita primária do governo federal crescerá de 23,76% do PIB, em 2008, para 24,17% em 2010, enquanto a despesa primária também subirá, de 21,56% para 21,97% do PIB nos mesmos anos. Sempre ampliando gastos, em particular os irreversíveis, o governo federal está deixando a situação fiscal mais vulnerável a crises que afetem a sua receita e/ou prejudiquem a rolagem da sua dívida.

A atual crise da economia mundial é um alerta, pois o Brasil não é tão blindado como se imagina. Bastou uma crise, ainda de pequenas dimensões, para o risco País subir, a taxa de câmbio, também, e o governo pagar juros mais altos pela dívida que coloca.

A segunda vertente é um movimento de estatização nos setores petroquímico e de gás liquefeito de petróleo (via compra da Suzano Petroquímica e da Liquigás) e no de telecomunicações (com mais uma TV estatal e a idéia de uma grande empresa privada com a chamada ¿golden share¿ do governo), com risco de se estender também ao setor elétrico, no qual permanece a insegurança quanto ao suprimento a partir de 2011, por conta de regras que afastam investidores privados.

A terceira é o mau uso da incomPeTência da Anac, a Agência Nacional de Aviação Civil, para um ataque generalizado às demais e ampliar o dirigismo governamental, embora o problema não esteja no modelo dessas agências, mas na sua contaminação pela politicagem na indicação de dirigentes.

O PSDB precisa mostrar, portanto, que a economia vai mal e que cabe culpa ao governo federal. Uma economia não pode estar bem quando seu enorme governo vai mal.

* Roberto Macedo, economista (USP), com doutorado pela Universidade Harvard (EUA), pesquisador da Fipe-USP e professor associado à Faap, foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda