Título: Clima - uma nova oportunidade?
Autor: Goldemberg, José
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/08/2007, Espaço Aberto, p. A2

O presidente George W. Bush convidou recentemente representantes das principais economias do mundo para uma conferência sobre mudanças climáticas em Washington, nos próximos dias 27 e 28 de setembro. Além dos membros do G-8 (os grandes países industrializados, como Inglaterra, França, Alemanha e Rússia), foram convidados os cinco países emergentes mais importantes (China, Índia, Brasil, África do Sul e México), que são também, entre os países em desenvolvimento, os maiores emissores dos gases responsáveis pela mudanças climáticas.

Esta conferência, organizada pelos Estados Unidos, precede a conferência dos mais de 180 países que fazem parte da Convenção do Clima e que se reunirá este ano em Bali, na Indonésia, em dezembro. Pouco se espera dela, como já ocorreu nas reuniões anteriores, em Nairóbi (Quênia) e Montreal (Canadá). A perda de substância destas conferências é evidente pelo nível cada vez mais baixo dos representantes dos países, que, no máximo, incluem o ministro do Meio Ambiente, mas que, em geral, são funcionários de escalão mais baixo.

O Brasil, em particular, tem desperdiçado muitas oportunidades e o papel de liderança que desempenhou na Conferência do Rio, em 1992, na Conferência de Kyoto, em 1997, ou na Conferência de Johannesburgo, em 2002, é coisa do passado. Desde então, os representantes brasileiros limitam-se a repetir os velhos chavões terceiro-mundistas de que os responsáveis pelas mudanças climáticas são os países ricos, que estão poluindo há muito tempo, e que cabe a eles resolver o problema. Mais ainda, que agora que as economias dos países em desenvolvimento estão crescendo, impor limites às suas emissões vai prejudicar o seu desenvolvimento.

Estas posições são totalmente equivocadas e refletem posições ideológicas que não estão ajudando em nada. O fato de os Estados Unidos serem grandes poluidores não justifica que sejamos tolerantes com o outro grande poluidor que é a China. No fundo, estamos todos num barco que está afundando e o fato de os Estados Unidos terem feito um grande buraco no casco do navio não justifica que outros países também o façam, como é o caso da China e também o do Brasil, que é o quinto emissor mundial devido ao desmatamento da Amazônia.

A verdade é que o crescimento da economia pode ser feito com menos poluição do que ocorreu no passado nos países industrializados, porque a tecnologia evoluiu e nas economias mais atrasadas, como a da China, é mais fácil reduzir as emissões do que em economias otimizadas, como o Japão. Só para dar um exemplo: qual é o sentido que faz instalar usinas elétricas que queimam carvão, na China, com eficiência muito menor do que as usinas japonesas que produzem a mesma quantidade de eletricidade queimando menos carvão? Qual é o sentido de queimar 15 mil quilômetros quadrados de floresta amazônica por ano, para criar gado, o que lança na atmosfera mais gases que provocam o aquecimento global do que toda a Inglaterra?

É possível resolver estes problemas, de interesse de toda a população mundial - e, evidentemente, da população brasileira -, com um pouco mais de racionalidade.

Para isso é preciso envolver não só os ecologistas, mas também as autoridades econômicas e de planejamento. Cada hectare de floresta amazônica que é queimado lança na atmosfera cerca de cem toneladas de carbono. Evitar que isso aconteça contribuiria para reduzir as mudanças climáticas e impediria que a Amazônia se transformasse, em algumas décadas, num ¿cerradão¿, o que tornaria o Nordeste ainda mais seco do que é.

Evitar o desmatamento da Amazônia poderia, aliás, gerar recursos de bilhões de dólares, que poderiam ser usados para promover um tipo de desenvolvimento menos predatório do que o atual, e isso só não aconteceu até agora por causa da miopia dos negociadores brasileiros na Conferência de Montreal.

Há ainda um outro problema urgente a resolver: a demora em decidir sobre o que acontecerá depois do período de validade do Protocolo de Kyoto (após 2012) está comprometendo o futuro do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), que permite a transferência para os países em desenvolvimento de recursos correspondentes a 1 bilhão de toneladas de CO2 - até 2012, o valor aproximado desta transferência é de US$ 10 bilhões.

A conferência proposta pelos Estados Unidos para o fim de setembro abre uma nova oportunidade para discutir estes temas numa atmosfera menos ideológica do que nas conferências anuais da Convenção do Clima. O presidente Bush está sofrendo uma forte pressão interna para aderir ao Protocolo de Kyoto (ou outro instrumento legal equivalente) porque 16 Estados americanos já decidiram reduzir suas emissões e no Senado dos Estados Unidos já se forma uma maioria capaz de mudar a política do país nesta área. Essencial para esta mudança é um acordo mais amplo que inclua a China, a Índia, o Brasil e outros grandes emissores.

O Brasil não deveria perder esta oportunidade de se engajar em negociações de alto nível com o governo americano (e as outras grandes economias mundiais) para a adoção de medidas que reduzam efetivamente as emissões de gases que provocam mudanças climáticas.

Para a conferência de Washington, em setembro, deveria ser enviada uma delegação brasileira de alto nível, com ministros de Estado e até governadores, como o do Estado do Amazonas, que, entre os demais desta região do Brasil, tem revelado uma visão mais clara e pragmática do que outros sobre como proteger a Amazônia, gerando recursos que promovam o desenvolvimento.

José Goldemberg é professor da Universidade de São Paulo