Título: A condenação de Maluf
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/08/2007, Notas & Informações, p. A3

Réu em dezenas de ações, e acumulando várias derrotas nas instâncias inferiores da Justiça, o deputado Paulo Maluf (PP-SP) conseguiu a proeza de atravessar quase 40 anos na vida pública sem sofrer condenações definitivas, contra as quais não cabem recurso. Mas, pelos caprichos da vida, quando ainda comemorava a recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que determinou o arquivamento de uma investigação que apurava irregularidades cometidas em 1996, durante sua segunda passagem pela Prefeitura da capital, no pagamento de um serviço para a construção do complexo viário João Jorge Saad, sob a alegação de que o delito prescreveu, ele acabou sendo condenado pela mesma corte a ressarcir os cofres públicos dos prejuízos causados por outra grave irregularidade.

O causador dos prejuízos foi o Consórcio Paulipetro, criado na época em que Maluf era governador, entre 1979 e 1982, com o objetivo de buscar petróleo e gás na Bacia do Rio Paraná. Ao julgar uma ação popular aberta há 28 anos, e que tramitou na primeira instância da Justiça Federal, no Tribunal Regional Federal e no Superior Tribunal de Justiça (STJ), o STF obrigou Maluf a ressarcir em R$ 700 mil os cofres públicos do Estado de São Paulo.

Ele chegou a ser absolvido nos dois primeiros julgamentos, mais foi condenado no terceiro. Seus advogados recorreram, afirmando que o STJ invadiu área de competência do Supremo. Mas, por 3 votos contra 1, a primeira turma desta corte rejeitou o recurso. Mesmo assim, Maluf pode impetrar novo recurso pedindo a anulação dessa decisão em julgamento no plenário. E, mesmo que venha a sofrer nova derrota, ainda poderá questionar judicialmente o valor do ressarcimento. Esta é uma evidência de como as discussões de mérito também costumam ser demoradas.

Isso dá a medida do anacronismo das instituições judiciais e da irracionalidade de uma legislação processual cuja complexa sistemática de recursos e prescrições impede uma tramitação rápida das ações. Basta ver que, nos recursos que os advogados de Maluf têm impetrado nos tribunais superiores contra condenações sofridas na primeira instância, na maioria das vezes o que se discute não é se ele é culpado ou inocente das graves acusações que lhe são feitas pelo Ministério Público, mas apenas questões processuais.

Por mais importantes que sejam as discussões processuais, quando elas ofuscam ou até afastam as questões de mérito, nos julgamentos, isso gera uma distorção que acaba deslegitimando a Justiça e disseminando a incerteza jurídica. Evidentemente, um sistema judicial com essas características só tende a favorecer quem pode contratar bons advogados para adiar o julgamento dos processos até a prescrição das acusações. É esse o caso de Maluf. Por gozar do direito a foro privilegiado, pois foi eleito deputado federal no ano passado, várias ações nas quais é réu tiveram de ser transferidas das instâncias inferiores para os tribunais superiores. Com isso, parte da instrução processual tem de ser refeita, o que contribui para maior atraso no julgamento.

As estatísticas mais atualizadas revelam que, atualmente, há mais de 60,4 milhões de processos em tramitação nas diferentes instâncias e braços especializados do Poder Judiciário. Por causa da irracionalidade da legislação processual, as ações mais simples levam, em média, oito anos para serem julgadas em caráter definitivo. As ações complexas demoram muito mais. Não são poucos os casos de processos em que os litigantes não vivem para ver suas pendências resolvidas, deixando aos parentes a herança da disputa.

Foi para tentar mudar esse cenário que, há quase três anos, os presidentes dos Três Poderes assinaram um pacto para agilizar a reforma infraconstitucional do Judiciário. Enquanto essa reforma não for completada, a Polícia Federal continuará perdendo seu tempo com suas operações espetaculares para desbaratar quadrilhas de criminosos de colarinho-branco.

Como prova o caso Maluf, cuja condenação é uma exceção que justifica a regra, a impunidade dos políticos brasileiros é praticamente ¿blindada¿.