Título: CPMF, a batalha
Autor: Rosenfield, Denis Lerrer
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/08/2007, Espaço Aberto, p. A2

Há uma ocasião única para os tucanos saírem de cima do muro, quanto mais não seja para que o muro não caia em cima deles. A prorrogação ou não da CPMF se apresenta como um daqueles momentos em que concepções partidárias e destinos do País se cruzam de uma maneira importante. Se o governo conseguir mais uma vez patrolar o Congresso Nacional, o País continuará refém de impostos altos, Estado mastodôntico, aparelhamento partidário da burocracia e serviços ineficientes.

Os oito anos do governo Fernando Henrique se traduziram por conquistas das mais relevantes que, mantidas pelo governo atual, propiciaram o desenvolvimento econômico que ora presenciamos. Foram a Lei de Responsabilidade Fiscal, o saneamento dos bancos e as privatizações, entre outras medidas. Nem todas, aliás, defendidas através de idéias transmitidas para a opinião pública. As privatizações foram envergonhadas e, apesar de serem um grande sucesso, como na esfera das telecomunicações, o PT conseguiu faturá-las em proveito próprio, criando um imaginário antiprivatizações e antipropriedade privada. O PSDB escorregou, caiu e não soube se levantar.

Algo semelhante está acontecendo agora com a prorrogação da CPMF. Criada no governo anterior, ela tinha uma denominação específica: ¿Contribuição Provisória¿. A sua provisoriedade derivava de um momento de crise das contas públicas brasileiras, agravadas por sucessivas crises internacionais. O contexto de sua criação era diferente daquele que estamos vivendo. O País amadureceu, não houve nenhuma crise internacional durante o governo Lula, os capitais internacionais são abundantes e, sobretudo, as contas públicas estão equilibradas, graças ao aumento dos impostos e contribuições.

A situação é paradoxal. O governo gasta cada vez mais, numa lógica que parece incontrolável, embora seja voluntária. As arrecadações batem sucessivos recordes, mostrando que a carga tributária é cada vez maior, extraída de toda a sociedade, que paga - e pena - para sustentar um Estado que poucos serviços lhe dá em retribuição. E o que acontece? Numa voracidade incontida, o governo tem uma fome insaciável: cada vez mais impostos e tributos.

O desafio é crucial. Trata-se, para cada partido, de saber se votará a favor ou contra a sociedade, se votará para mais recursos a serem desperdiçados ou usufruídos por aqueles que trabalham e contribuem. A corrupção encontra terreno fértil para prosperar onde há um Estado com muitos recursos, muita burocracia e um discurso demagógico de que sempre necessita mais. Quanto maior for o Estado, maiores serão os favorecimentos, os privilégios e as práticas de desvio de recursos públicos.

Hoje é o momento da decisão. Há alguns meses as chances de não-renovação da CPMF pareciam remotas. Alguns poucos deputados e senadores iniciaram, então, uma caminhada que surgia como inglória. Imbuídos de idéias e convicções empreenderam um caminho que conseguiu abrir espaços junto à opinião pública. Setores importantes da sociedade civil, como federações, associações e sindicatos, assumiram essa luta, que produz, agora, frutos. Falta os partidos e os parlamentares assumirem posições.

A batalha decisiva será travada no Senado, onde o governo não detém maioria automática. Bastam os votos de 33 senadores para que esse imposto daninho não seja aprovado. Os Democratas tomaram uma atitude de princípio, que muito os honra. Fecharam questão pela abolição pura e simples da CPMF. Possuem 17 votos. O PSDB tem 13 votos. Se fechar questão também, chegaremos a 30 votos. Faltariam apenas três votos para que o País pudesse ser visto e pensado de uma outra maneira. Há senadores independentes de outros partidos, como PMDB, PDT e PSOL, verdadeiramente preocupados com os destinos da Nação, e não com os atrelamentos partidários e a impunidade reinante, alimentada pela abundância de impostos. Destacam-se os senadores Jarbas Vasconcelos, Pedro Simon, Garibaldi Alves, Mão Santa, Osmar Dias, Jefferson Peres e José Nery, entre outros. Honrariam os seus partidos e a sua biografia. Os votos desses senadores, uma vez que as oposições apareçam unidas pela extinção da CPMF, farão, então, toda a diferença.

O que temos observado, no entanto, são tergiversações, hesitações e brigas menores entre os tucanos. Governadores tramam pela prorrogação dessa contribuição, apenas preocupados com os seus caixas estaduais e despreocupados com os contribuintes, os cidadãos e a sociedade em geral. É como se brigassem pela divisão do butim, sendo este o produto daquilo que é produzido por todos nós. Falta uma atitude digna e altiva, voltada para o bem comum. Argumentar que o governo federal não pode viver sem essa contribuição é também mais uma dessas falácias que rondam a mente dos incautos. Se o governo gasta mais, é porque extrai progressivamente mais recursos da sociedade, sem que esta seja chamada a opinar. Cabe-lhe, apenas, pagar a conta. A melhor maneira de o Estado parar de gastar é cortando-lhe a sua fonte, os impostos, que utiliza como se fossem inesgotáveis. Com menores recursos, o Estado será obrigado a racionalizar os seus gastos, evitando os desperdícios e distinguindo o principal do acessório. Menores recursos estarão, assim, disponíveis para a corrupção e a malversação dos fundos públicos.

Pode-se, portanto, dizer que cabe ao PSDB decidir, não transferindo a responsabilidade para ninguém. Se a CPMF for prorrogada, toda a culpa recairá sobre os seus ombros, sem subterfúgios. Continuará sua caminhada rumo à inação. Se se reerguer, se assumir também como sua a bandeira pela renovação do País, colocar-se-á como um verdadeiro partido de oposição, com idéias, capaz de ousar na reformulação de seus princípios e concepções.

Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na UFRGS. E-mail: denisrosenfield@terra.com.br