Título: A farra das ONGs
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Fonte: O Estado de São Paulo, 20/08/2007, Notas & Informações, p. A3

Um mês e meio após ter iniciado uma auditoria para apurar as denúncias de fraudes cometidas por organizações não-governamentais (ONGs) com recursos do Programa Brasil Alfabetizado feitas pelo Jornal da Tarde (JT) e pelo Estado, o Ministério da Educação (MEC) não apenas as confirmou, mas descobriu que as irregularidades eram muito mais graves do que se imaginava, envolvendo cifras bilionárias. Das 47 ONGs auditadas, 34 apresentaram problemas.

Reportagens dos dois jornais publicadas em julho mostraram que, para se apropriar de dinheiro público, essas ONGs, várias das quais vinculadas à CUT e ao PT, há muito tempo vinham recorrendo a expedientes conhecidos, como a apresentação de notas frias e recibos falsos na prestação de contas, duplicidade de turmas, classes fantasmas, docentes cadastrados para atuar em três lugares diferentes ao mesmo tempo e alfabetizadores registrados sem que soubessem. Além de constatar essas fraudes, a auditoria do MEC descobriu que algumas das ONGs que firmaram convênios com o Brasil Alfabetizado só existem no papel. Foram criadas só para abocanhar parte dos recursos que o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) destina para a alfabetização de jovens e adultos, não dispondo de sede, telefone, secretária, corpo técnico e docentes.

O MEC detectou seis ONGs fantasmas - duas em São Paulo e quatro na Bahia. Juntamente com outras três entidades, todas com nomes ¿politicamente corretos¿, como Associação de Inclusão Social, Núcleo Cultural Direito ao Saber e Fundação Humanidade Amiga, elas receberam R$ 2,2 bilhões do FNDE para alfabetizar 50 mil pessoas e não ensinaram ninguém. Por falta de controle do governo, essas ONGs ganharam dinheiro fácil durante muito tempo, até a publicação das reportagens do JT e do Estado.

Com a apuração das denúncias dos dois jornais, o MEC fez o que era mais sensato. Além de encaminhar os resultados de sua auditoria para o Ministério Público Federal, a fim de que esses ¿gigolôs da inclusão social¿ sejam processados civil e criminalmente, o órgão passou a substituir docentes contratados por ONGs por professores da rede pública do ensino fundamental para atuar no Brasil Alfabetizado - programa criado no primeiro mandato do presidente Lula e divulgado com pompa e circunstância como ¿um portal de entrada na cidadania¿. Na velha tradição de fechar a porta depois de arrombada, o governo também baixou um decreto disciplinando o repasse de verbas federais para ONGs e organizações da sociedade civil de interesse público.

O Orçamento da União para 2007 prevê a transferência de R$ 3,3 bilhões para essas entidades. Segundo a Associação Contas Abertas, entidade sem fins lucrativos que se mantém com contribuições da iniciativa privada, entre 2001 e 2006 a União repassou R$ 11 bilhões, em valores correntes. É muito dinheiro gasto com entidades duvidosas, iniciativas discutíveis e pouca transparência na prestação de contas. Há seis anos, a estimativa era de que existiam 22 mil ONGs. Hoje, estima-se que existam 260 mil, a maioria, em contradição com o próprio nome, vivendo com exclusividade de recursos do governo.

Essa proliferação desenfreada de ONGs dá a medida do descontrole do setor e da farra que vinha sendo promovida com dinheiro público em nome de causas nobres. Por temer a desmoralização do trabalho comunitário e o desvirtuamento do voluntariado, desde a ascensão de Lula ao poder as ONGs mais antigas e conceituadas vinham pedindo a ele uma legislação para disciplinar o repasse de dinheiro público. Contudo, como se tornou habitual no seu governo, nada de concreto foi feito, a não ser a criação de mais um inócuo ¿grupo de trabalho¿, o que levou os convênios firmados com ONGs a se tornarem um buraco negro nas finanças da União, como foi evidenciado pela auditoria do MEC.

As medidas que o governo afinal tomou são importantes para coibir a farra das ONGs com dinheiro público, mas estão longe de resolver o problema em caráter definitivo. Isso só ocorrerá com a aprovação de uma legislação moderna e eficiente para o setor.