Título: Sem ACM, carlismo dialoga com PT
Autor: Samarco, Christiane
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/08/2007, Nacional, p. A6

A ala mais ortodoxa dos herdeiros políticos do senador procura um novo lugar no cenário político baiano.

Quando desembarcou em Brasília, na semana passada, para discutir projetos de interesse da Bahia com a bancada federal, o governador Jaques Wagner (PT) não imaginou que uma reunião de rotina ganharia contornos de fato inusitado. Para surpresa geral, além dos aliados do PT, PMDB, PSB e PC do B, compareceram ao encontro o deputado ACM Neto (DEM-BA) e o senador Antonio Carlos Júnior (DEM-BA), entre outros representantes do chamado carlismo ortodoxo, que sempre viveu às turras com o PT.

¿Isto é novidade. Jamais participei de uma reunião desse tipo, nem como deputado do PT¿, admitiu o governador baiano. Passado o espanto, adversários e militantes carlistas, entre os quais o ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima (PMDB-BA), também presente à reunião, concordaram em pelo menos um ponto: a participação de Júnior, filho e suplente do senador Antonio Carlos Magalhães (DEM-BA), inaugura um novo cenário político.

Bastou um mês de ausência de ACM, morto no dia 20 de julho, aos 79 anos de idade e 50 de política e mando na Bahia, para que fosse aberto um diálogo inédito entre petistas e carlistas. ¿A ausência física de um líder com o peso de ACM descontraiu o ambiente político e produziu um cenário diferente. Não se faz mais política na Bahia sendo contra ou a favor de quem quer que seja¿, comentou Wagner.

ACM Neto também acredita que está em curso uma nova dinâmica. ¿O desaparecimento do senador muda, sim, a dinâmica da política baiana, que nos últimos 30 anos foi forjada em uma bipolarização entre carlistas e anticarlistas¿, observou.

CIÚMES

Mas nem tudo é paz na política baiana. Ao mesmo tempo em que baixa a tensão entre petistas e carlistas, aumentam os atritos na aliança PT-PMDB, que derrotou o governador Paulo Souto (DEM-BA) e elegeu Wagner.

Neste momento de reorganização das forças locais, os dois grupos correm para engordar as legendas. Aproveitam-se do fato de os dois principais pólos da política baiana - o governador Wagner e o ministro Geddel - serem, ao mesmo tempo, integrantes da coalizão nacional PT-PMDB e detentores de poder e prestígio nos palácios de Ondina e do Planalto.

A contabilidade inicial aponta um crescimento maior do PMDB, que quadruplicou suas prefeituras no interior e ainda filiou o prefeito da capital, João Henrique Carneiro (ex-PDT). Isso criou ciúmes no PT e acirrou o clima de competição.

¿Quem é grande é mais visto, atrai novas adesões. É natural que quem está do lado de cá (do PT) comece a enxergar o PMDB como um projeto perigoso¿, admite o vice-líder do governo, o deputado Walter Pinheiro (PT-BA). Ele adverte, no entanto, que o PT não pode se dar ao luxo de apenas olhar o ministro Geddel e o PMDB: ¿Temos que focar no caminho próprio. Ou então vamos morrer de raiva ou de ciúmes.¿

Pesquisas encomendadas por partidos aliados e também pelos adversários, para avaliar o governo Wagner, têm servido para fermentar intrigas. Elas indicam que a imagem pessoal do governador petista, como gestor, não é boa. Nas pesquisas qualitativas, ele é visto como desorganizado e inapetente.

¿Wagner pegou um governo com muitos problemas¿, defendeu Geddel. ¿O Estado estava inadimplente, e ele tem que organizar a casa. É isso o que causa certo desgaste, além da falta de uma máquina de propaganda como a que o PFL tinha.¿

Mas o prefeito João Henrique também não vai bem. Segundo relato de um dirigente do PSDB, pesquisa encomendada pelo DEM mostra que 48% dos soteropolitanos consideram o prefeito ruim ou péssimo. O tucano guardou bem o levantamento porque, nele, o nome do ex-prefeito Antonio Imbassahy (PSDB) aparecia como favorito numa futura disputa.

Nada, porém, é seguro neste cenário. De acordo com outra pesquisa, também encomendada pelo DEM, quem apareceu em primeiro lugar como favorito na disputa pela prefeitura foi o radialista Raimundo Varela (sem partido). Ele estava 14 pontos à frente de ACM Neto e Imbassahy, empatados em segundo lugar.

SOBREVIVÊNCIA

O grupo ligado ao ex-senador ACM aposta nesse cenário de polarização para tentar sobreviver à morte do líder. Enquanto carlistas do PR e PP, apontados como representantes da ala mais pragmática e adesista, negociam com o governador Jaques Wagner, em busca de um porto seguro para o desembarque, os ortodoxos se esforçam para manter o grupo unido. A candidatura de ACM Neto à prefeitura seria um dos fatores de unidade.

¿O PP e o PR estão tentando se acomodar, e isto não é segredo¿, contou o deputado José Carlos Aleluia (DEM-BA). ¿Vão acontecer novos desenhos na composição política local¿, confirmou ACM Neto.

Para quem apostou no fim do carlismo após a morte de seu líder, ACM Neto disse que as coisas vão mudar, mas apenas no estilo: ¿O senador é `irrepetível¿, mesmo porque o contexto histórico mudou. Mas ele deixou uma herança importante, que é o modelo de atuação baseado em dois pilares: a luta em defesa da Bahia e a boa gestão administrativa.¿