Título: Crise só ameaça crescimento do Brasil em 2008
Autor: Rehder, Marcelo e Graner, Fabio
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/08/2007, Economia, p. B14

Analistas só vêem perigo se tensão sair do campo financeiro para o de atividades de países como os EUA.

Pode até parecer um contra-senso, mas os analistas mantêm a aposta num crescimento mais forte do Produto Interno Bruto (PIB) do País em 2007, apesar das turbulências que tomam conta do mercado financeiro mundial. Para eles, um possível impacto da atual volatilidade só afetaria o desempenho da economia brasileira a partir do próximo ano, caso a crise perdure por um período mais longo e deixe de ter um caráter apenas financeiro e passe a atingir o nível de atividade de países como os Estados Unidos e os da Europa.

'O crescimento deste ano já está dado', diz o economista Sergio Vale, da consultoria MB Associados. 'As decisões de investir, produzir, importar e oferecer serviços já estão relativamente consolidadas e não têm como mudar muito esse cenário agora, a não ser que ocorresse um colapso do sistema bancário internacional.'

Para Vale, o impacto da atual turbulência dos mercados mundiais sobre a atividade econômica brasileira este ano será bastante reduzido. Tanto que a MB revisou ontem sua previsão para o PIB de 2007 de 4,5% para 4,9%, com base nos últimos números da indústria.

Na opinião de Celso Toledo, economista-chefe da MCM Consultores Associados, a probabilidade da crise financeira virar uma recessão mundial é muito reduzida. 'Os efeitos para o Brasil tendem a ser pequenos, pois estamos crescendo a uma taxa muito robusta para nossos padrões, que pode até diminuir um pouquinho perto do que poderia ser.' A MCM está revisando sua estimativa para o PIB de 4,3% para um número entre 4,5% a 5%.

O vendaval financeiro não mexeu na confiança do governo brasileiro de que o País está preparado para enfrentar as turbulências, inclusive se a situação piorar. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, garantiu que o Brasil está em situação confortável para passar por mais essa turbulência sem maiores problemas. E o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, destacou a 'absoluta normalidade' do mercado financeiro nacional, a maior resistência do País a choques e, quase que de passagem, mencionava que o BC estava 'monitorando' a situação. Na quinta e na sexta-feira, o BC brasileiro retirou dinheiro de circulação do mercado, por excesso de liquidez, situação oposta à enfrentada por seus pares internacionais.

Embora o dólar tenha subido e a bolsa tenha acumulado perdas durante a semana, Fazenda e BC vêem poucas chances de o pior acontecer: câmbio disparar, investimentos sumirem, inflação aumentar e puxar os juros, forçando o BC a dar um cavalo de pau na economia.

As razões para isso não são numerosas, mas expressivas. A primeira delas está relacionada ao tamanho das reservas internacionais, hoje em US$ 158,4 bilhões, bem mais que o dobro do que havia em maio do ano passado (US$ 63 bilhões). Com reservas nesse nível, dificilmente um movimento mais forte de saída de capitais provocará uma disparada no dólar, já que o BC pode entrar vendendo grandes volumes de moeda e reverter altas indesejadas.

Além disso, o próprio regime de câmbio flutuante, em que o dólar se ajusta à disponibilidade de moeda no País, facilita o trabalho do governo e exige menos reservas para conter uma eventual fuga de capitais. Nesse cenário, o dólar começa a subir, tornando menos atrativa a saída do investidor, que vai receber menos dinheiro se quiser, de fato, deixar o país.

Ainda no setor externo, um saldo acima de US$ 40 bilhões na balança comercial e investimentos estrangeiros diretos previstos pelo mercado em US$ 25 bilhões garantem uma oferta elevada de moeda estrangeira, independentemente dos humores do mercado financeiro.

Outro ponto importante, que tranqüiliza o governo, é a situação do sistema financeiro. Além da lucratividade elevada, os bancos brasileiros não estão, pelo menos significativamente, expostos a ativos ruins como os papéis hipotecários de segunda linha (subprime) americanos e sujeitos a uma quebradeira dessa natureza.

Além de tudo, o crescimento da economia é hoje mais determinado por fatores internos do que externos e, no tocante ao financiamento da dívida interna, o Tesouro Nacional tem acumulado um volume de dinheiro considerável para passar pelo menos três meses sem fazer emissão de títulos públicos.