Título: Desacato à Justiça
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/08/2007, Notas & Informações, p. A3
Merece uma apuração rápida e rigorosa, por parte da cúpula do Poder Judiciário, a denúncia da desembargadora Cecília Marcondes, do Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região, de que teria sido deliberadamente enganada pela diretora da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), Denise Abreu. A acusação é grave e, se for confirmada, estará configurado um autêntico desacato às instituições judiciais e ao Estado de Direito.
Responsável pelo julgamento de um recurso impetrado pela Anac, pedindo a liberação das pistas do Aeroporto de Congonhas, a magistrada afirma que recebeu em seu gabinete, das mãos de Denise Abreu, uma cópia da Instrução Suplementar ISRBH 121-189 da Anac, que proíbe o pouso de aviões com reverso inoperante em pistas molhadas. Com base no documento, a desembargadora autorizou que aviões de grande porte voltassem a pousar no mais movimentado aeroporto do País. Mas, após a explosão do Airbus 320 da TAM no Aeroporto de Congonhas, em 17 de julho, causando a morte de 199 pessoas, Denise Abreu, ao depor na CPI do Apagão Aéreo, afirmou que aquela instrução da Anac não tinha ¿validade de norma¿, por ser um estudo interno.
¿Em primeiro lugar, senti um espanto muito grande. Em segundo lugar, revolta. Não é só a pessoa da juíza que está sendo enganada, é o poder do Estado¿, diz a desembargadora Cecília Marcondes. Segundo ela, ou Denise Abreu mentiu na CPI do Apagão Aéreo, quando afirmou que as instruções da Anac carecem de força legal, ou agiu com improbidade administrativa, quando compareceu ao TRF e entregou a Instrução Suplementar ISRBH 121-189.
¿Ela estava presente e tinha ciência absoluta daqueles documentos apresentados a mim. Se não podemos confiar nas agências reguladoras, não temos em quem confiar. Estamos mexendo com vidas. Isso mostra que não existe responsabilidade do Estado¿, afirma a desembargadora, lembrando que, na reunião ocorrida em seu gabinete com os representantes da Anac, a diretora Denise Abreu ¿tinha bastante pressa para desinterditar o Aeroporto de Congonhas¿.
Se ainda havia dúvidas com relação às conseqüências desastrosas que o aparelhamento das agências reguladoras por parte do PT pode causar à sociedade, elas foram desfeitas pelas acusações da desembargadora Cecília Marcondes. Sem jamais ter tido qualquer experiência no setor de aviação, pois é procuradora estadual especializada em direito administrativo, Denise Abreu é vinculada ao ex-chefe da Casa Civil José Dirceu e só foi parar na Anac porque teve seu nome vetado para a presidência do Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Desde que assumiu um cargo para o qual não tinha a menor qualificação técnica, seu nome tem sido associado a denúncias de favorecimento das companhias áreas que deveria fiscalizar.
As acusações da desembargadora Cecília Marcondes contra ela são tão graves que o Ministério Público Federal pediu a abertura imediata de duas investigações. Uma para investigar crime de falsidade ideológica que teria sido cometido por Denise Abreu, que ontem teve seu sigilo bancário, fiscal e telefônico quebrado por decisão da CPI do Apagão Aéreo. Os procuradores querem saber se a Instrução Suplementar ISRBH 121-189 por ela apresentada à desembargadora Cecília Marcondes foi concebida apenas com a finalidade de obter a liberação das pistas de Congonhas e se Denise Abreu agiu com má-fé, para levar a Justiça a acreditar que o documento estabelecia normas de segurança respeitadas pelas empresas. A outra representação é para apurar se a Anac vem usando documentos ¿frios¿, sem validade legal, o que configuraria crime.
Só as investigações do Ministério Público Federal e da CPI do Apagão Aéreo confirmarão se Denise Abreu é inocente ou culpada. Mas a verdade é que, nunca antes na história deste país, cargos públicos que exigem alta qualificação técnica foram ocupados por gente tão despreparada, sem compromissos com a segurança da coletividade e sem respeito pelas instituições do Estado de Direito.