Título: A crise da saúde no Nordeste
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/08/2007, Notas & Informações, p. A3

Problemas graves de gestão dos serviços de saúde levaram as populações da Paraíba, Pernambuco e Alagoas a uma situação de calamidade pública. Há quase três meses, profissionais da saúde estão em greve, reivindicando melhores salários e denunciando as péssimas condições de trabalho. Os médicos ganham, em média, R$ 1.200,00, o que, conforme o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, torna a reivindicação salarial justa. Mas isso não justifica, como ele também afirma, que por isso deixem a população no desamparo. As autoridades locais não têm condições de resolver a questão rapidamente - e a população mais carente sofre as conseqüências da falta de assistência que já dura três meses.

Nos últimos dias, por exemplo, um bebê morreu esperando por atendimento, em Maceió, e uma jovem de 28 anos morreu depois de esperar inutilmente, durante três meses, por uma cirurgia cardíaca. Todos os dias o noticiário das televisões e dos jornais mostra dramas iguais a esses.

Doentes se amontoam pelos corredores dos hospitais e os poucos médicos que se mantêm a postos denunciam a precariedade das unidades de saúde, que os obriga a escolher quem vai viver e quem vai morrer, porque não podem atender todos. Os pacientes de municípios do interior de Pernambuco, Paraíba e Alagoas percorrem centenas de quilômetros em busca de atendimento em hospitais regionais. Não conseguem. Alguns morrem no trajeto, conforme relatou o sanitarista e diretor de planejamento da Secretaria de Saúde do Recife, Domício Sá, em entrevista ao Estado; outros enfrentam horas seguidas - e mesmo dias - de espera nas portas das poucas e superlotadas unidades nas capitais.

Em Alagoas, na segunda-feira, toda a rede estadual de saúde contava com apenas um neurocirurgião e sete dos nove hematologistas do Estado se demitiram. Dez categorias de servidores de nível médio da saúde também decretaram greve por tempo indeterminado. Mais de 200 profissionais já haviam pedido demissão. No dia 1º de setembro, termina o aviso prévio dado por 143 médicos. Desde que a greve começou, mais de 2 mil atendimentos deixaram de ser realizados a cada dia nas unidades de saúde da periferia de Alagoas.

A situação levou o governador de Alagoas, Teotônio Vilela Filho, a decretar estado de emergência, na sexta-feira, e a se reunir com o ministro da Saúde, que liberou R$ 26 milhões para o sistema de saúde do Estado, dos quais R$ 3 milhões serão destinados ao pagamento de salários e R$ 23 milhões para o custeio de atendimentos médicos de alta e média complexidade. Conforme o ministro, a liberação aumentará em mais de 7% o dispêndio per capita médio que o governo federal fixa para atendimentos mais complexos. O problema é que a rede hospitalar pública mal consegue atender aos casos corriqueiros.

O governador Teotônio Vilela Filho ficou frustrado com a verba liberada, que, segundo ele, é insuficiente para pôr fim à greve dos médicos e demais profissionais da saúde. ¿O dinheiro ajuda, mas não vai resolver a crise nem aumentar nosso poder de negociação com os grevistas¿, disse em entrevista ao Estado. A categoria reivindica reajuste salarial de 50% e o governo oferece 5%.

Teotônio Vilela Filho e os outros governadores do Nordeste que enfrentam crise semelhante podem não ficar satisfeitos com o montante de recursos que a União pôs à sua disposição, mas deveriam aceitar imediatamente a outra forma de auxílio oferecida pelo ministro: assistência técnica para melhorar a gestão da saúde pública. Afinal, de pouco adianta injetar mais verbas em sistemas de gestão claramente falidos.

O descalabro a que chegou o sistema de saúde naqueles Estados do Nordeste não se deve apenas à escassez de dinheiro. Na origem da crise está a má gestão da rede pública. O mau atendimento aos doentes e as precárias condições de trabalho dos profissionais de saúde nada mais são do que a conseqüência do descalabro administrativo. Sem que esse problema seja resolvido prontamente, a população daqueles Estados continuará tendo serviços de qualidade muito abaixo da média nacional - que já não é grande coisa.