Título: Fatos novos animam o mercado
Autor: Barbosa, Alaor
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/08/2007, Economia, p. B5

A bolsa americana manteve seu ritmo de alta, as européias subiram pelo quarto dia consecutivo, numa semana de menos tensão, mas longe ainda de estabilidade. A Bovespa teve alta expressiva, de 3,9%. Na tarde de ontem, o sentimento em Wall Street era o de que vai ainda demorar a melhorar e há risco de piorar antes disso. A cautela era inspirada pelo próprio Fed, que deixou vazar para a imprensa que estava 'cautelosamente otimista'. Afinal, até agora, quase US$ 500 bilhões foram injetados no mercado - destes, US$ 370 bilhões do Banco Central Europeu - e o Fed reduziu o juro para as instituições financeiras. As duas medidas parecem ter sido suficientes para diminuir a tensão.

O QUE AJUDOU

Para a maioria, esse desafogo se deve principalmente à forte expectativa de que o Fed vai reduzir a taxa básica de juro em 0,25 ponto porcentual, trazendo-a para 5%, na próxima reunião do dia 18 de setembro - ou até mesmo antes.

'Eu creio que essa recuperação está baseada na especulação de que o Fed vai cortar a taxa de juros. Por mais que eu queira esperar a retomada (na bolsa), eu não vejo que a situação tenha acalmado substancialmente no mercado de crédito.' Essa afirmação do analista sênior Charles Rotblut refletia ontem o clima em Wall Street.

A pergunta era: e se Bernanke der a entender que não pensa em reduzir a taxa para 5%? Aí, o mercado sentiria, e tudo poderia começar de novo. Certo, o Fed não precisar dizer nada, mas as pressões são enormes para que corte os juros.

Algum sinal? Sim. O presidente do Fed de Richmond, Jeffrey Lacker, afirmou ontem que 'a nossa responsabilidade não é pelo spread no mercado de crédito, deixamos isso para o mercado, mas pelo que somos capazes de fazer para ter bases sustentáveis com a inflação e o crescimento'. Ou seja, se essa agitação toda não afetar a economia, ou os preços, nada mais deve ser feito. Mas nem o crescimento desacelerou mais nem os preços estão em alta.

Enquanto isso, vamos viver ainda mais alguns dias ou semanas de expectativa, sem nenhum sinal de maior agravamento.

Na verdade, até agora, Bernanke só tem dado sinais de que não está pensando numa redução do juro básico, teme a inflação e acha que a economia não está precisando de mais um impulso. Será? Não quer repetir Greenspan, que na crise de 1998, provocada pelo colapso do Long Term Capital, reduziu três vezes o juro. Ele acha que há ainda espaço para esperar.

MAIS DOIS FATORES

Dois outros fatores pesaram ontem para explicar a distensão nas bolsas. O primeiro foi que os quatro maiores bancos americanos, Citigroup, Bank of America, JP Morgan e Wachovia, anunciaram a captação de US$ 500 milhões cada um, fazendo uso da oferta do Fed, que está oferecendo taxa menor. São US$ 2 bilhões.

Mas, se eles precisam de liquidez, é porque a situação não é boa! Não. Eles tomaram essa iniciativa combinada para dar a entender às instituições financeiras médias e menores que esse é um bom negócio. Num raro comunicado conjunto, o Citi, o Bank of America e o JP Morgan afirmam que têm grande liquidez, poderiam captar a custos menores em outras fontes, mas não fizeram porque não precisam. A explicação é que, apesar da generosa oferta de recursos que os bancos centrais colocaram no mercado, as instituições financeiras não têm se animado muito a recorrer de fundos de uma fonte que também regula o seu mercado. E isso, principalmente, por estarem a uma semana e meia para fechar o balanço.

CLIMA PARA FUSÕES

Um terceiro fator foi o forte aumento na cotação das ações de grandes empresas. Ontem, a MCM Mirage, a segunda maior empresa mundial de cassinos, teve o maior ganho em três meses, depois que Dubai adquiriu uma parte dos seus ativos. O mesmo aconteceu com outras grandes empresas que anunciaram lucro após fusões.

As maiores repercussões foram a afirmação da PH Billiton, a maior mineradora do mundo, de que a turbulência não afetou a demanda de metais e o fato de as ações da Alcoa terem tido grande alta.

O QUE SIGNIFICA ISSO?

Quem responde é Kevin Cronin, que administra investimentos de US$ 190 bilhões, na Putnam Investment, em Boston: 'Vamos ver uma retomada na área de fusões. Algumas companhias com grandes lucros parecem muito atrativas', afirma. Ele lembra que um aumento sem precedente de fusões e aquisições levou a bolsa a bater recorde de alta, em 19 de julho, e que até agora, neste ano, essas operações totalizam US$ 1,6 trilhão, a caminho de bater o recorde do ano passado em 48%.

CALMA, MELHOROU

A conclusão do dia é que tudo parece estar caminhando para a normalidade; a crise não afetou a economia real. Há tudo para que isso se confirme e o único risco é que novas empresas imobiliárias caiam na insolvência. Mas o Fed está atento. Atrasou-se ao prever a crise, mas vem acertando. Bernanke merece a confiança do mercado. E deveria merecer também a do presidente, para quem, acreditem, 'a crise é deles'...

É... O mundo pode acabar, que a gente segura sozinho aqui...