Título: À espera da canonização
Autor: Mayrink, José Maria
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/08/2007, Vida&, p. A30

Faz 27 anos que devotos de padre José de Anchieta buscam milagre que falta

A causa de canonização do padre José de Anchieta, o missionário mais venerado da história do Brasil, está emperrada. Beato desde junho de 1980, quando o papa João Paulo II lhe deu as honras dos altares, não conseguiu virar santo até hoje, 27 anos depois, por falta de um milagre.

Perdeu a corrida para outros dois brasileiros - Madre Paulina e Frei Galvão - que foram canonizados antes, embora tenham sido beatificados depois dele. A beatificação, que dá direito a culto restrito, é o último estágio para a canonização, pela qual o santo pode ser venerado pelos católicos em qualquer parte do mundo.

Espanhol das Ilhas Canárias, onde nasceu em 1534, José de Anchieta era filho de pai basco e mãe judia. Emigrou aos 14 anos para estudar em Coimbra e entrou na Companhia de Jesus em 1551, dois anos antes de embarcar para o Brasil numa expedição de missionários portugueses.

Companheiro do padre Manuel da Nóbrega, foi um dos fundadores de São Paulo de Piratininga, onde os jesuítas abriram uma escola na colina que tem hoje o nome de Pátio do Colégio. Morreu em 1597 com fama de milagreiro, depois de passar 44 anos evangelizando e batizando índios, falando e escrevendo na língua deles, o tupi, que fez questão de estudar para entender melhor as suas tradições.

Tinha fama de padre milagreiro. Até morto ele ressuscitou (na verdade, reanimou um menino sepultado vivo). Foi o ¿milagre¿ mais estupendo do missionário que também dominava as ondas do mar, desviava tempestades, amansava animais ferozes, previa acontecimentos futuros e curava qualquer tipo de doença. Foram tantos os testemunhos e foi tão grande a lista de fatos extraordinários atribuídos ao jesuíta que a Igreja dispensou a comprovação de um milagre mais recente, quando a Congregação para a Causa dos Santos deu o sinal verde à beatificação. Foi só depois de o papa ter dado a Anchieta o título de beato que uma família relatou uma graça alcançada 20 anos antes - a recuperação de uma menina, hoje médica, que nasceu sem um osso no calcanhar.

¿Agora, dependemos de um milagre novo, ocorrido depois da beatificação, em 1980, para Anchieta ser declarado santo¿, diz o padre César Augusto dos Santos, vice-postulador da causa de canonização. Ele passa dia e noite em busca de uma cura capaz de convencer o Vaticano.

¿Tem de ser uma cura que a medicina não possa explicar, mas isso se torna cada vez mais difícil¿, observa o vice-postulador. À medida que a ciência avança, muita coisa que antes se considerava milagre agora é atribuída à eficácia de tratamentos. Padre César deixou de lado, por exemplo, o testemunho de uma mulher que atribuía ao beato o desaparecimento quase instantâneo de um câncer no rosto, porque um médico lhe mostrou o registro de três casos semelhantes, todos com as mesmas características - e sem nenhuma mediação de santo.

Mas devoção é o que não falta. As missas que padre César celebra às 12h05 do dia 9 de cada mês na Igreja de São Luís, esquina da Avenida Paulista com a Rua Bela Cintra, estão sempre cheias. Os fiéis recorrem à intercessão de Anchieta, pedindo graças que eventualmente poderão ser classificadas como milagres. O vice-postulador distribui vidrinhos de água benta e apresenta à veneração pública as relíquias disponíveis no acervo dos jesuítas - fragmentos da cabeça do fêmur esquerdo, que está guardado na capela do beato, na cidade de Anchieta (ES), onde ele morreu. O fêmur direito se encontra na Igreja do Pátio do Colégio. Outros ossos supostamente autênticos foram levados para Portugal e lá se perderam antes que pudessem ser repatriados.

Padre César costuma visitar doentes em hospitais, sempre a pedido das famílias, para lhes sugerir que recorram à intercessão de Anchieta na esperança de um milagre.

Quando ocorre uma cura inesperada, que os médicos não sejam capazes de explicar, o vice-postulador estuda bem o caso. Precisa ser uma mediação exclusiva, não vale se o doente também tiver pedido ajuda de outros santos.

ESCRITÓRIO DESATIVADO

Nada se conseguiu nos últimos anos, apesar de todos os esforços dos jesuítas em São Paulo e de mais 160 divulgadores da causa espalhados pelo Brasil afora. ¿Roma quer cura inexplicável, algum fato extraordinário que só vai ser considerado milagre depois de ser examinado por uma equipe de peritos, nem todos católicos¿, diz padre César.

Ao ser nomeado vice-postulador, seis anos atrás, padre César criou a Associação Pró-Canonização de Anchieta (Canan), que funcionava num escritório da Rua Bela Cintra para divulgar a devoção ao beato e coletar depoimentos sobre graças alcançadas.

A Canan acaba de ser fechada por ordem do padre Carlos Palácio, superior da Província Brasil Centro-Oeste, a quem os jesuítas de São Paulo estão subordinados. ¿Tomei essa decisão por achar que a causa pode ser levada adiante com uma estrutura mais simples¿, declarou padre Palácio ao Estado, desmentindo que fosse sua intenção paralisar de vez o processo de canonização.

¿Eu nem poderia fazer isso, pois esse trabalho depende de Roma, onde fica o postulador (padre Paolo Molinari), responsável pelas causas de beatificação e de canonização de jesuítas¿, acrescentou.