Título: Dez anos da Lei do Petróleo
Autor: Pires, Adriano e Schechtman, Rafael
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/08/2007, Economia, p. B2

Em 6 de agosto, celebram-se dez anos da Lei do Petróleo. Para quem não se lembra, sua aprovação resultou de uma batalha ferrenha, e até emocional, entre a base de apoio ao governo FHC e a oposição liderada pelo PT. Não podemos esquecer que esta lei deu fim ao então intocável e sagrado monopólio da Petrobrás. Este monopólio foi concedido à Petrobrás no início dos anos 50, após o sucesso da campanha ¿O Petróleo é Nosso¿, uma rara situação em que as forças armadas brasileiras e os partidos de esquerda ficaram de um mesmo lado. Essa campanha culminou na aprovação da Lei 2.004, em 1952, que concedeu à Petrobrás o exercício do monopólio, exceto na distribuição de derivados. Mais tarde, o monopólio da Petrobrás foi incorporado na Constituição de 1988.

Durante todo o debate que precedeu a mudança da Constituição e a posterior aprovação da Lei 9.478, a oposição afirmava que por trás da proposta do governo estava um plano maquiavélico de enfraquecimento da Petrobrás. Diziam os críticos da lei que, com o fim do exercício do monopólio, as grandes multinacionais do petróleo tomariam conta do setor e a Petrobrás seria sucateada e privatizada.

Nada disso aconteceu. Ao contrário do que afirmavam as pitonisas pseudonacionalistas, a Lei do Petróleo inaugurou uma fase gloriosa da Petrobrás e do setor de petróleo brasileiro. Na realidade, foi o fim da ¿Petrossauro¿, termo cunhado pelo saudoso Roberto Campos para descrever a Petrobrás daquela época.

Os números não deixam dúvida. Entre 1997 e 2007 a produção de petróleo mais que duplicou, passando de 866 mil para 1,8 milhão de barris/dia, com as reservas crescendo de 7 para 12 bilhões de barris. Foi graças a Lei 9.478 que o País se tornou auto-suficiente em petróleo, meta que esteve sempre distante durante o exercício do monopólio da Petrobrás. A Petrobrás, em vez da profecia de ser engolida pelas grandes empresas petrolíferas, passou de um lucro de R$ 2 bilhões em 1997 para R$ 26 bilhões em 2006.

Com a Lei do Petróleo, a União, os Estados e os municípios passaram a usufruir também da renda do petróleo. Em 1997, antes da lei, por causa da baixa produção, da manipulação de preços do petróleo pela Petrobrás e da reduzida alíquota de incidência de royalties, recolhiam-se apenas R$ 200 milhões a título de royalties. Em 2006, foram arrecadados R$ 7,7 bilhões de royalties e R$ 8,8 bilhões de Participação Especial, um novo tributo incidente sobre a produção de petróleo criado pela Lei do Petróleo.

Quando se analisam os impactos da Lei do Petróleo sobre diferentes segmentos da indústria, verifica-se que a atividade de exploração e produção foi a maior beneficiária. Desde 1999, foram realizadas sete rodadas de licitações de blocos exploratórios que arrecadaram R$ 3,3 bilhões em bônus de assinatura. No total, foram concedidos 582 blocos exploratórios atraindo 30 novas empresas operadoras, tanto nacionais como internacionais.

Quase não se avançou em outros elos da cadeia da indústria. O refino de petróleo pouco evoluiu. O grande limitador para maior abertura no refino tem sido os preços dos derivados fixados pela Petrobrás que seguem uma orientação política. A imprevisibilidade de tal política aumenta o risco do negócio e afugenta novos investidores do refino e da importação de derivados.

Mas foi na indústria de gás natural que se instalou a maior paralisia da abertura do mercado, por causa da ausência de um tratamento específico na Lei 9.478. Como não houve avanços na regulamentação do acesso de terceiros aos gasodutos, novos produtores são hoje obrigados a se submeter ao poder de monopsônio da Petrobrás.

Os problemas na abertura do setor de petróleo e gás natural se agravaram com a mudança de governo em 2003. O enfraquecimento da Agência Nacional do Petróleo (ANP) e a inoperância do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência desestimularam ainda mais a entrada de investidores no refino, importação de derivados e transporte de gás natural.

Com a chegada do PT ao poder, o governo deixou de separar a figura do estado-empresário das suas atribuições de planejamento, formulação e execução de políticas. O planejamento da Petrobrás e do governo confundem-se e, como ocorria até a quebra do monopólio, a empresa passou a ser formuladora e executora de políticas governamentais. Corre-se o risco de que, como na ficção do filme O Parque dos Dinossauros, o Petrossauro seja recriado para tornar-se novamente o grande predador da indústria do petróleo brasileira.