Título: A resistência chinesa
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Fonte: O Estado de São Paulo, 19/08/2007, Notas & Informações, p. A3
Primeiro, os membros da comitiva do Brasil chefiada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciaram, na visita oficial a Pequim, a reabertura iminente do mercado da China para a carne brasileira. Depois, os membros da missão da China enviada a Brasília, tendo à frente o presidente Hu Jintao, assinaram diversos acordos com o governo brasileiro oficializando a abertura. Antes de as autoridades discutirem o assunto, empresários reunidos no Conselho Empresarial Brasil-China haviam considerado prioritárias a abertura do mercado chinês à carne brasileira e a negociação de um acordo de investimentos entre os dois governos.
Já faz mais de três anos que se fala nisso, mas os resultados são pífios, porque a China ainda resiste a abrir seu mercado para o produto brasileiro. O volume registrado atualmente está longe dos US$ 600 milhões de exportações anuais de carne bovina previstos pelo governo brasileiro: no primeiro semestre deste ano, ficou em modestíssimos US$ 8,7 milhões.
Em maio de 2004, durante a visita do presidente Lula à China, os então ministros brasileiros do Desenvolvimento e da Agricultura, Luiz Fernando Furlan e Roberto Rodrigues, reuniram-se com as autoridades chinesas responsáveis pelo controle sanitário e fitossanitário do país para discutir a reabertura do mercado local para a carne brasileira, cuja importação estava suspensa havia três anos por causa do surgimento de casos de febre aftosa no Rio Grande do Sul. Furlan estava animado, pois a China estava prestes a reiniciar as compras do produto brasileiro. ¿Em dez anos - previu - a China será o maior destino das exportações brasileiras de alimentos e a carne, obviamente, terá um peso importante nisso.¿
Em novembro de 2004, em visita ao Brasil o presidente Hu Jintao de fato assinou diversos acordos com o presidente Lula, entre os quais os que abriam o mercado de seu país para o ingresso de carnes bovina, suína e de aves e de suco de laranja provenientes do Brasil. Para assinar esses e outros acordos, Hu exigiu que o governo brasileiro reconhecesse a China como uma economia de mercado, essencial para sua adesão plena à Organização Mundial do Comércio - e Brasília cedeu à exigência.
Cedeu, mas não ganhou nada. Desde 2005, as exportações brasileiras de carne para a China vêm caindo. O surgimento de focos de febre aftosa em Mato Grosso do Sul em outubro daquele ano contribuiu para a queda, mas outros fatores influíram. Um deles é o protecionismo chinês, na forma de exigências burocráticas mais rigorosas do que as recomendadas pelos organismos internacionais.
Talvez os resultados não tivessem sido tão ruins como têm sido se o governo brasileiro mostrasse um mínimo de eficiência e rapidez na resposta às exigências chinesas. Em março do ano passado, como mostrou o jornal Valor, as autoridades chinesas se comprometeram a reabrir as importações de carne brasileira depois das explicações dadas por uma missão brasileira sobre o controle da aftosa no País. Três meses depois, exigiram novas informações sobre a situação sanitária nos Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Acre e Rondônia. Só sete meses depois a área técnica do Ministério da Agricultura respondeu às questões apresentadas pelos chineses. O documento foi enviado no começo deste ano para Pequim, e lá se encontra engavetado.
No caso do frango, a China pediu informações complementares também em março do ano passado, mas a resposta oficial do governo brasileiro só foi encaminhada em abril deste ano. Quanto à carne suína, a China quer exportar para o Brasil (o acordo prevê a compra pelo Brasil de tripas de suínos e pescados chineses), mas nesse caso é o governo brasileiro que faz restrições de natureza sanitária.
Enquanto os acordos assinados há cerca de três anos produzem resultados muito fracos para o Brasil, a China vai empregando os meios que conhece muito bem para conquistar fatias cada vez maiores do mercado brasileiro. Neste ano, pela primeira vez na década, a balança comercial bilateral fechará com superávit para a China. Enquanto mantém fechado seu mercado para determinados produtos originários do Brasil, vai conquistando cada vez mais espaço no mercado brasileiro, inclusive o de bens de alto valor agregado.