Título: No mundo e na mesa, o clima está difícil
Autor: Novaes, Washington
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/08/2007, Espaço Aberto, p. A2

Nunca houve tantas informações sobre a gravidade do quadro mundial na área de mudanças climáticas e sobre o que poderá acontecer nos próximos anos. Nunca se calculou com tanta precisão o desastre econômico que poderá advir, se nada for feito. Nunca houve tantas tecnologias disponíveis para enfrentar muitos ângulos da questão. E, no entanto, continua extremamente difícil chegar a qualquer acordo capaz de inverter o rumo.

A próxima semana poderá aclarar o quadro político: de segunda a sexta-feira, reúnem-se em Viena cerca de mil representantes de 191 países para tentar definir uma proposta a ser discutida em dezembro, em Bali, na reunião da Convenção do Clima, que permita chegar a compromissos de redução de emissões de gases depois de 2012, quando se encerra o primeiro período do Protocolo de Kyoto. Essa proposta é que balizará as negociações em 2008 e 2009 - prazo final para a definição, que ainda permita ratificá-la antes de 2012.

Uma reunião de 15 países, incluído o Brasil, será realizada um mês depois em Nova York, com o mesmo objetivo. E Estados Unidos e Japão já disseram que nada será possível se China, Brasil e Índia, que estão entre os maiores emissores, não aceitarem compromissos de redução. E até aqui não aceitam.

Há poucos dias, a ONU informou que em sete meses deste ano 117 milhões de pessoas foram vítimas de ¿desastres naturais¿ (que já haviam passado da média anual de 200 para 400 em 2006), com prejuízos de US$ 15 bilhões. De janeiro a abril, registraram-se as mais altas temperaturas médias no planeta desde 1880. Maio e junho foram os meses mais quentes da História na Europa (mais 1,7 grau na média), chegando a 45 graus na Bulgária; 500 pessoas morreram de calor na Hungria; a Inglaterra teve as piores enchentes desde 1776; a Alemanha, a maior seca desde 1901, o mês mais chuvoso em maio. Na Ásia, 45 milhões de pessoas foram vítimas de inundações, alguns milhares morreram, dezenas de milhões ficaram desabrigadas. Também o Uruguai sofreu a maior inundação de todos os tempos. Argentina e Chile tiveram inverno extremamente rigoroso.

Informações mais do que suficientes para o mundo tomar juízo. Mas as emissões de gases poluentes pelos países industrializados continuam crescendo. As nações do G-8 emitiram 14,3 bilhões de toneladas no ano passado, 2% mais que em 2000 e 0,7% acima de 1990 (quando deveriam estar 5,2% abaixo deste último nível, pelos compromissos de Kyoto). Os Estados Unidos emitiram 16,3% mais que em 1990 e 1,6% mais que em 2000. Nesse grupo, só Alemanha, Grã-Bretanha e França reduziram as emissões. Mas os países ¿em desenvolvimento¿ também continuam aumentando as suas. O Brasil, segundo o Banco Mundial, emitia em 2004 mais de 2 bilhões de toneladas de carbono por ano e já é o quarto maior emissor.

E o quadro ainda poderá vir a ser mais grave. Segundo o Hadley Centre, entre 2009 e 2014 a temperatura terrestre poderá superar a de 1998, até aqui o ano mais quente. ¿Desastres naturais¿ poderão inviabilizar parte da produção mundial de alimentos, assegura a Organização para a Alimentação e a Agricultura, da ONU. Só a Índia poderá perder 18% de sua produção. A Convenção da Desertificação adverte que a América do Sul - principalmente Argentina e Brasil - pode perder 25% das terras produtivas até 2025. Nada menos que 30% das terras do planeta já estão atingidas, em algum estágio, pelo processo.

Aqui e ali, tenta-se legislar para mudar o quadro. A Câmara dos Deputados norte-americana aprovou a exigência de as empresas geradoras terem 15% de sua energia advinda de fontes renováveis, principalmente eólica e solar (27 Estados e o Distrito de Colúmbia já aprovaram exigências semelhantes). Mas a emenda ainda depende do Senado, mais resistente. A Suécia já exige por lei que até 2020 todos os automóveis sejam movidos por energia renovável.

Até já surgem outras propostas de tecnologias para o problema. A mais ousada é da Universidade de Stanford, na Califórnia, que propõe bloquear 1,8% das radiações solares que chegam à Terra, injetando na estratosfera partículas de dióxido de enxofre de 0,1 milímetro de diâmetro. Esses discos reduziriam as radiações sem impedir o retorno dos raios infravermelhos, com efeito capaz de contrabalançar o dobro do aumento da temperatura que as emissões de poluentes provocam - dizem os cientistas (Estado, 10/8). Uma variante, da Universidade de Tucson, Arizona, seria conseguir o mesmo resultado (redução das radiações) com discos de silicone. Uma terceira alternativa seria espalhar nos oceanos ferro e outros elementos, para aumentar a capacidade de absorção de carbono. A todas essas alternativas muitos cientistas contrapõem a possibilidade de riscos graves. Mais ingênua e menos perigosa é a recomendação do Ministério da Saúde da Itália, de que as empresas permitam que seus funcionários trabalhem sem gravata e poupem energia com refrigeração dos ambientes.

Mas é inquietante saber que só 6,1% do consumo de energia nos Estados Unidos vem de fontes renováveis. Ou que a maior parte dos recursos do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (15 bilhões de euros só no primeiro semestre de 2007 na Europa) tem ficado com os grandes fundos negociadores, não com os países pobres (Planet Ark, 4/8).

No Brasil, continua-se a anunciar a preparação de um Plano Nacional de Enfrentamento de Mudanças Climáticas (15 anos depois de assinarmos a respectiva convenção, em 1992). Insistimos em não assumir compromissos de redução de emissões e em propor que os países industrializados paguem pela redução voluntária do desmatamento nos países detentores de florestas. Nenhum dos possíveis financiadores se dispôs a fazê-lo, até aqui.

Viena e Nova York mudarão o panorama?

Washington Novaes é jornalista E-mail: wlrnovaes@uol.com.br