Título: Alheio ao Supremo, PT não vai punir envolvidos no mensalão
Autor: Rosa, Vera
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/08/2007, Nacional, p. A4

Dois anos e dois meses após crise que atingiu em cheio governo Lula, só Delúbio Soares foi punido pelo partido

Qualquer que seja o veredicto do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República contra os acusados no escândalo do mensalão, o PT não vai punir os ex-dirigentes e deputados envolvidos na crise. O julgamento do STF na quarta, quinta e sexta-feira, às vésperas do 3º Congresso do PT, contaminará o encontro e reacenderá a velha polêmica do acerto de contas. Mas, apesar da proposta de criação de uma corregedoria no partido, o embate promete ser mais retórico do que prático, tendo como pano de fundo a disputa interna entre as várias facções petistas.

Dois anos e dois meses depois do escândalo que provocou um terremoto no governo Lula, derrubou o chefe da Casa Civil, José Dirceu, e fez desabar a cúpula do PT, o partido só abriu uma Comissão de Ética: a que investigou o tesoureiro Delúbio Soares. Amigo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva desde os tempos de sindicalismo, Delúbio acabou expulso e foi o único punido. Silvio Pereira, à época secretário-geral, pediu desfiliação. José Genoino, então presidente do PT e hoje deputado, renunciou ao cargo, assim como Marcelo Sereno, secretário de Comunicação. Fora do governo, Dirceu teve o mandato de deputado cassado pela Câmara, em novembro de 2005.

De lá para cá, o comando do PT tentou o quanto pôde adiar o debate mais profundo sobre a concepção política do partido, alegando que era preciso blindar Lula e salvar o governo. Depois veio a campanha à reeleição, em 2006, a crise do dossiê protagonizada pelo ¿bando de aloprados¿, como o presidente definiu o grupo que tentou comprar documentos contra tucanos, e a lavagem da roupa suja foi mais uma vez empurrada para frente.

Agora, o fantasma do mensalão rondará o Congresso do PT - a instância máxima de deliberação da sigla - entre os dias 31 deste mês e 2 de setembro. Mas o antigo Campo Majoritário, tendência de Lula e Dirceu, argumenta que o momento é de discutir o futuro, as eleições municipais de 2008 e o candidato do PT à sucessão presidencial, em 2010, e não de remoer o passado. A corrente tem 51% dos 934 delegados no encontro e conta com o apoio de outras facções nesse capítulo.

¿Eu não quero que o PT se engaje em nenhuma campanha pela minha anistia¿, afirma Dirceu. ¿Fui chamado de chefe de quadrilha, sofri uma devassa na minha vida e até agora não há provas. Se o Supremo aceitar a denúncia contra mim, quero ser julgado. Não estou atrás de prescrição nem de impunidade.¿ Ex-presidente do PT, o deputado cassado repudiou a tentativa do Ministério Público de vincular o veredicto do STF a uma espécie de julgamento político do primeiro mandato de Lula. ¿O presidente não só não faz parte desse processo como foi inocentado¿, diz.

CORREGEDORIA

Maior adversário de Dirceu no PT, o ministro da Justiça, Tarso Genro, integra a ala que prega uma corregedoria no partido, com poderes para receber denúncias contra filiados, constituir comissões de investigação e emitir pareceres que serão levados ao Diretório Nacional. Mesmo com todas as críticas, o grupo - que apresentou a chapa Mensagem ao Partido - já abrandou seu discurso e, a pedido de Lula, passou a borracha na defesa da ¿refundação¿.

¿O objetivo do debate não é a caça às bruxas, mas a oxigenação do PT¿, resume o deputado Paulo Teixeira (SP). De qualquer forma, na proposta de resolução do grupo, um dos trechos não deixa dúvidas da polêmica que está por vir. ¿(...) Se não aceitamos a máxima de que o número de votos conferido a um político acusado de corrupção o anistia de erros cometidos, não podemos aplicar esse preceito dentro do PT¿, destaca o texto, ao propor a criação de uma corregedoria. Um dos signatários é o ex-ministro Olívio Dutra, que pode disputar o comando do PT com o atual presidente do partido, deputado Ricardo Berzoini (SP).

Tudo indica que, após a sucessão de crises, a eleição para renovar a cúpula petista será antecipada para dezembro e a guerra entre as facções já está aberta. ¿Não queremos criar no PT uma Santa Inquisição¿, provoca o deputado Jilmar Tatto (SP), da corrente PT de Luta e de Massas. ¿O partido não é delegacia de polícia para abrir corregedoria.¿ Para o secretário de Relações Internacionais do PT, Valter Pomar, o grupo capitaneado por Tarso está ¿isolado¿. Apesar de também defender a corregedoria, Pomar diz que os problemas do PT estão nos métodos de direção que levaram às crises e vê outras prioridades no debate do 3º Congresso, como a recaída socialista do partido e a pregação de uma Assembléia Constituinte para votar a reforma política.

¿O PT deveria ter feito em 2005 e 2006 um balanço das responsabilidades pelas crises, mas o ex-Campo Majoritário se opôs. Hoje, isso virou assunto velho¿, diz Pomar, da Articulação de Esquerda. Conhecido por suas ferozes críticas à política monetária, ele insiste em que, para disputar os rumos do governo, o PT precisa construir uma estratégia de esquerda. ¿A opção de Lula em manter Henrique Meirelles no Banco Central, nesse segundo mandato, é um erro brutal¿, reclama.