Título: Um passo para mudar a Anac
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Fonte: O Estado de São Paulo, 24/08/2007, Notas & Informações, p. A3

Assim que assumiu, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, deixou claro que queria ver pelas costas a diretoria da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), de notória incompetência e mais do que provável submissão aos interesses das empresas aéreas brasileiras - a começar dos que transformaram o Aeroporto de Congonhas numa rodoviária caótica, abarrotada e perigosa. Julgou ele, coberto de razão, que o descalabro da agência se explicava pelo fato de estarem em mãos de apadrinhados políticos as funções que deveriam caber a conhecedores do setor, mais propensos, ou assim seria de esperar, a tomar decisões com base em critérios técnicos e objetivos.

Mas o ministro parecia resignado diante do ¿problema legal¿, como disse em alusão à estabilidade de que gozam os diretores das agências reguladoras - indicados pelo presidente da República e aprovados pelo Senado - durante os seus mandatos fixos. Fracassada a primeira tentativa de induzir a cúpula da Anac a renunciar, para contornar o problema, eis que surgiu a oportunidade de resolvê-lo por uma das poucas brechas previstas na legislação - o afastamento dos indesejáveis mediante a medida extrema do processo administrativo para a apuração de responsabilidades por atos de manifesta gravidade. Com a vantagem de que a lei autoriza o chefe do governo a afastar preventivamente os envolvidos enquanto corre a investigação.

A oportunidade foi proporcionada por uma revelação estarrecedora (já comentada neste espaço). Incumbida de julgar recurso contra decisão que acolhera pedido de um procurador federal para proibir o pouso em Congonhas de três tipos de aeronaves, a juíza Cecília Marcondes, do Tribunal Regional Federal de São Paulo, recebeu pessoalmente da diretora da Anac, Denise Abreu, em 22 de fevereiro, um documento que a induziria - como induziu - a anular a sentença de primeira instância. O documento, relatou a juíza, foi-lhe apresentado como uma norma técnica adotada pela Anac para incrementar a segurança das operações de qualquer tipo de aparelho em Congonhas: quando as pistas estivessem molhadas, nenhum avião poderia pousar ali.

Tratava-se, porém, de uma peça de ficção - um papel com ¿presunção de vigor¿, segundo o eufemismo do procurador da agência, Paulo Roberto Araújo, em depoimento à CPI do Senado sobre o apagão aéreo. Ele quis dizer que o texto não tinha valor legal algum, embora tivesse sido publicado no site da Anac - ¿por falha da área de informática¿, conforme a primeira versão da enrolada diretora. Não tivesse sido exposta a um argumento mentiroso, de todo conveniente às companhias aéreas, a juíza provavelmente manteria a proibição original. Pior ainda, fosse o argumento verdadeiro, o Airbus da TAM com defeito num dos reversores não poderia pousar naquele chuvoso 17 de julho em Congonhas - e 199 pessoas não teriam perecido.

O sentimento de ultraje da juíza Cecília foi compartilhado pela desembargadora Marli Ferreira, presidente do mesmo Tribunal Regional Federal. Ela qualificou a esperteza da diretora Denise como uma iniciativa ilegal, um abuso do Judiciário, ¿por falta de responsabilidade administrativa desses administradores que desservem à Nação¿. Diante disso, seria um escárnio se o governo não pegasse o pião à unha. Foi o que fez, de inopino, o ministro da Defesa, durante audiência da Comissão de Infra-estrutura do Senado, quarta-feira. A uma pergunta de um dos senadores, Jobim anunciou a abertura de processo disciplinar administrativo contra a diretoria da Anac. A seu lado, aturdido, o ex-operador de turismo Milton Zuanazzi, transformado por seus poderosos padrinhos no Planalto em presidente da agência.

O ministro disse ainda que irá ¿examinar a necessidade¿ de requerer o afastamento preliminar dos processados. A medida já teria sido acertada com o presidente Lula, caso eles não se antecipem e se afastem. O escândalo da falsa norma técnica mostrou a Anac por dentro. Na mesma CPI, o diretor de Segurança Operacional, Investigação e Prevenção de Acidentes da entidade, coronel-aviador Jorge Luiz Brito Velozo - o único do grupo com experiência no setor -, declarou que jamais foi consultado sobre a pseudo-resolução. ¿O trabalho aconteceu em um nível mais baixo¿, informou. É o nível dessa contrafação de agência reguladora.