Título: A piora da situação do senador
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Fonte: O Estado de São Paulo, 18/08/2007, Notas & Informações, p. A3
Em apenas duas palavras - ¿ficou pior¿ -, o corregedor do Senado, Romeu Tuma, definiu com precisão a situação do colega Renan Calheiros, o presidente da Casa atingido por diversas acusações substantivas que o desqualificam inequivocamente para o exercício do cargo, ou mesmo do mandato. O sucinto diagnóstico de Tuma seguiu-se ao depoimento de cerca de três horas que lhe prestou, em Maceió, o ex-deputado alagoano e usineiro João Lyra, antigo aliado de Calheiros. Hoje, se odeiam. Lyra repetiu ao corregedor o que dissera à imprensa, confirmando a revelação da revista Veja de que os dois políticos formaram o que ele veio a chamar de ¿sociedade secreta¿ para a compra de duas estações de rádio, no valor de R$ 2,5 milhões.
Primeiro no negócio, depois na gestão das emissoras, Calheiros operou por meio de ¿representantes¿, conforme o eufemismo de Tuma para laranjas, um dos quais é o empresário Tito Uchôa, primo do senador, e outro, seu filho ¿Renanzinho¿. O que tornou a situação pior para o concessionário clandestino de um serviço público de radiodifusão não foram apenas as palavras de Lyra, cuja folha corrida é arquiconhecida em Alagoas. É verdade que trouxe à tona mais um fato desabonador para Calheiros ao contar que na campanha de 2002 ele usou, sem pagar, aviões e helicópteros de uma empresa de taxi aéreo do então amigo, mas omitiu o fato na prestação de contas à Justiça Eleitoral, o que pode ser caracterizado como uma forma de caixa 2.
Calheiros, escreveu o ex-deputado numa carta aberta, ¿se banqueteava pelos céus do Brasil¿, a bordo de seus aviões. Lyra, retrucou o presidente do Senado pelo mesmo meio, é um ¿fora-da-lei¿. Ambos devem saber o que dizem. De todo modo, a deterioração da saúde política de Calheiros, atestada por Tuma, se deve aos documentos que recebeu de Lyra, que respaldam a suspeita de parceria clandestina no negócio das rádios (embora o único que traz a assinatura do senador não o comprometa). O caso será objeto do terceiro processo contra Calheiros, no Conselho de Ética, autorizado pela Mesa do Senado. Em nenhum outro país com instituições democráticas como as do Brasil, para não falar nas democracias mais amadurecidas que a nossa, o titular de um cargo equivalente ao dele - que o deixa em terceiro lugar na linha sucessória da Presidência da República, depois do vice e do presidente da Câmara - enfrenta impunemente três ações por quebra de decoro parlamentar.
Em relação àquela com que começou a descida de Calheiros aos infernos - a suspeita de que um lobista de empreiteira cobria seus débitos extramatrimoniais -, a sua defesa vem sendo posta em xeque pelos peritos do Instituto Nacional de Criminalística, da Polícia Federal, há dois meses examinando os papéis do senador. Primeiro, os extratos bancários da sua então amante não comprovam que eram efetivamente dele os recursos que ela recebia regularmente do lobista. Segundo, a papelada referente às vendas de gado que Calheiros invocou para demonstrar que dispunha de meios próprios para arcar com aqueles encargos contém uma profusão de notas frias, emitidas por frigoríficos de fachada, recibos duvidosos e incoerências de datas. Ontem, divulgou-se que, a partir de um relatório do Fisco de Alagoas, os peritos constataram que também eram laranjas os supostos compradores dos bois do senador.
Constaria do relatório citado a conclusão de que os titulares das três empresas com as quais o pecuarista Calheiros teria transacionado são ¿moradores da periferia, na mesma região próxima ao Mafral, em endereços de difícil localização¿. Mafral é o frigorífico a quem o senador declarou ter vendido as reses. Mas em nenhuma das notas fiscais entregues por ele consta essa firma. E nos registros da Fazenda estadual não constam compras de carne por ela no período investigado. Em contrapartida, o laudo da Polícia Federal, que será entregue ao Senado na próxima terça-feira, não teria identificado indícios de superfaturamento nas vendas. O documento reconhece que Calheiros tinha recursos suficientes para pagar do próprio bolso os R$ 418 mil transferidos à ex-amante. Mas, como se ressaltou, isso não prova que ele os tenha desembolsado. Em suma, a situação do senador ficou pior - e ainda não acabou de piorar.