Título: Justiça antecipa precatórios de doentes graves
Autor: Westin, Ricardo
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/08/2007, Vida &, p. A23
Tribunal de SP tem ordenado que paciente fure fila para receber dívidas do governo; espera normal dura anos.
Desde agosto do ano passado, 14 pessoas no Estado de São Paulo ganharam, por ordem da Justiça, o direito de furar a longa e demorada fila dos precatórios e, assim, receber imediatamente o dinheiro que o governo de São Paulo lhes deve. As dívidas são, em média, de R$ 50 mil. Além de credoras do Estado, essas 14 pessoas têm em comum o fato de serem idosas e sofrerem de graves problemas de saúde.
Precatórios são dívidas que o poder público tem de pagar após a questão ter sido julgada em definitivo pela Justiça. Como existe uma quantidade imensa desses papéis a serem pagos, a fila é grande. Os pagamentos são feitos em ordem cronológica. Em São Paulo, a quitação de um precatório não ocorre em menos de dez anos.
Iniciando uma nova tendência, o Tribunal de Justiça (TJ) de São Paulo tem entendido que o pagamento dos precatórios deve ser adiantado quando o dinheiro tiver como finalidade tratamentos urgentes e caros. Doentes de câncer são os que mais têm recorrido e obtido liminares (decisões imediatas e provisórias, até o julgamento do mérito) favoráveis. Há ainda casos de mal de Parkinson e doenças graves do coração. A última liminar foi dada anteontem.
¿O governo é bem eficiente na hora de cobrar taxas e impostos, mas é péssimo na hora de pagar o que deve¿, critica José Carlos de Almeida, de 76 anos, um dos beneficiados pelas liminares do TJ. Almeida é servidor estadual aposentado. Seu precatório tem como objetivo compensar uma gratificação salarial que ele não recebia quando trabalhava. Para se tratar de um câncer de próstata, teve até de ¿vender propriedades¿. Hoje toma 12 diferentes remédios por dia e gasta mais de R$ 1 mil por mês. O dinheiro do precatório deve chegar nas próximas semanas.
O presidente do TJ, desembargador Celso Limongi, esclarece que pedidos parecidos são recusados pelo tribunal. ¿É tudo feito com parcimônia. Analisamos caso a caso. Existem situações dramáticas, em que não se pode aguardar muito tempo. Mas existem situações que não são assim¿, diz.
O Supremo Tribunal Federal (STF) tem a mesma visão. No ano passado, o governo paulista recorreu de uma liminar em que o TJ havia ordenado o pagamento antecipado de um precatório. A mais alta corte do País manteve a decisão do TJ.
Também no ano passado, o mesmo STF rejeitou um recurso do governo da Paraíba. O TJ paraibano havia ordenado o seqüestro de verbas do governo para a quitação do precatório de uma mulher que sofria de uma doença grave e incurável.
O Estado procurou a Procuradoria Geral de São Paulo no final da tarde de ontem para comentar as liminares, mas não obteve resposta.
DIGNIDADE
Não existe lei que diga que pessoas idosas ou com doenças graves têm preferência no pagamento dos precatórios. Em seus julgamentos, a Justiça se baseia no primeiro artigo da Constituição, que, genericamente, diz que um dos fundamentos do Brasil é ¿a dignidade da pessoa humana¿. ¿São decisões humanitárias¿, explica o advogado Ricardo Falleiros Lebrão, que obteve liminares favoráveis a quatro clientes.
Mais ações devem ser julgadas logo pelo TJ paulista. A advogada Daniela Barreiro Barbosa, por exemplo, aguarda decisões sobre dois clientes - ambos idosos com câncer.
Essa tendência lembra a onda de ações judiciais em que pacientes exigem dos Estados remédios importados e caros não disponíveis na rede pública de saúde. Há, porém, uma diferença importante entre os dois casos, segundo o presidente do TJ de São Paulo. ¿Não estamos criando um crédito. Ele já existe¿, explica Celso Limongi.